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AVISO IMPORTANTE: pode conter spoilers e, em ocasiões especiais, nozes.


terça-feira, 29 de março de 2016

Among The Sleep - um estudo de horror na perspectiva dos 2 anos


Toddler & Teddy, dois heróis incomuns


Aqui há umas semanas estive a jogar o Among the Sleep. Joguei-o uma vez só, mas adorei-o.

Pensei, inicialmente, fazer uma review do jogo, mas entretanto reparei que já há várias, umas a dizer bem, outras a dizer mal... E resolvi fazer antes uma dissertação de por que é que adorei o jogo.

Sim, pode ter os seus defeitos (especialmente o ser curto), mas é um jogo que vale mesmo a pena. É uma aventura jogada em 1ª pessoa, pela perspectiva de uma criança de dois anos (conhecida apenas como "the Toddler"), e é aí que reside o génio do jogo.

Tudo é visto e interpretado como se fossemos uma criança pequenina.

A sequência do início (a festa de anos com a mãe) é confusa, principalmente na parte em que ela sai de cena e entra em conflito com alguém. Só aí já devíamos ter ficado a suspeitar dela (o facto de ela ter um aspecto sinistro ajuda - pelo menos achei-a sinistra, não sei se era intencional), bem como quando ela diz algo nas linhas de que "tens de parar de te esconder de mim".

E quando a aventura começa efectivamente... verificamos como uma casa normal pode ser assustadora. Tudo parece enorme e muito escuro, há montes de coisas escritas, mas que parece hieroglíficas dado que o Toddler não consegue ler... os trovões e os relâmpagos parecem explosões colossais.

A atmosfera é opressiva desde o início, e nem a presença de Teddy, o ursinho de peluche que ele recebe de prenda (e que pode ser abraçado, iluminando-se) consegue atenuá-la completamente. Juntem a isso o não poder correr muito tempo (o Toddler cai) e sentimo-nos ainda mais desamparados. A maneira mais rápida de se deslocar é mesmo gatinhar, mas aí perde-se a hipótese de agarrar objectos convenientemente.

O jogo é um exercício de desamparo, de como o mundo normal e anormal podem ser mesmo assustadores - escuros, desproporcionados, solitários (nem sempre o Teddy está ao nosso lado), confusos, deformados grotescamente e com presenças ameaçadoras que são mais vezes adivinhadas que observadas directamente.

Rapidamente Toddler passa a viajar em cenários surrealistas, à procura das memórias perdidas que lhe permitirão encontrar a mãe desaparecida. Estes cenários, incluindo um nível intermédio que corresponde a uma espécie de casinha de brincar, são versões distorcidas de cenários "comuns" (um parque infantil, uma cabana num bosque, o interior de um roupeiro), distorcidos pela percepção da criança, que por sua vez é perseguida por monstros. O monstro que mais vezes surge é uma espécie de Troll feminino (eu gosto de lhe chamar isto, mesmo que não seja um Troll), cuja proximidade deforma o som e a imagem, e que quando apanha o Toddler, aparentemente grita com ele e o abana?

Faz lembrar alguma coisa? Talvez uma forma de mau trato chamada "shaken baby syndrome"? É que enquanto as pistas soltas pelos cenários (especialmente o último) sugerem que os pais se separaram devido a problemas de alcoolismo, mais concretamente, que a mãe fugiu com o Toddler ao pai, a realidade é outra, descoberta no final: a mãe é que é a alcoólica e que agredia a criança, como acontece na sequência final do jogo. Durante uma das fugas, o Teddy é arrancado ao protagonista, que fica só com o braço do urso. Quando o Toddler acorda do suposto pesadelo e encontra a mãe meio caída, bêbada, no chão da cozinha, ela tem o urso. E quando nos aproximamos, ela grita e empurra-nos, distorcendo o som e a imagem por um momento, como acontecia com o "Troll".

O monstro principal - "The Drunk Mother"

E o mais dilacerante? O Toddler, mesmo assim, se quisermos, pode ir confortá-la com umas festinhas na cabeça, enquanto ela chora e se lamenta a dizer que é tudo "demais". Afinal a mamã nem é um monstro a tempo inteiro...
Finalmente, alguém bate à porta, e é uma voz masculina, cujo dono nunca se vê, mas que vem da porta aberta da casa, irradiando luz, e que diz que vem buscar a criança e que vai consertar o Teddy. Como a voz é a mesma do urso, imagina-se que será o pai do miúdo que o vem, por assim dizer, salvar da mãe.

Este estudo em medo, abuso infantil e percepções do menor é completado com um prólogo (o DLC gratuito do jogo) em que o menor anda a tentar salvar uns peluches que lhe foram tirados pelo monstro ("O monstro não gosta de felicidade") e que estão parcialmente gelados. O Toddler anda por uma casa que está no meio de um nevão (não a mesma do jogo principal) a fechar as janelas e a activar os objectos que associa a memórias felizes (por exemplo, uma cassete de desenhos animados ou música alegre) o que permite soltar os peluches. Entretanto, o Troll começa a persegui-lo; pelo caminho surgem imagens e ouvem-se vozes que demonstram os conflitos dos pais, a separação e a fuga de casa.
O último peluche está cá fora na neve, e quando estamos quase a apanhá-lo, aparece a mãe (aparentemente conseguiu perceber que o puto lhe fugiu para a neve mesmo debaixo do nariz) que pega em nós e nos leva embora. Nesta altura vê-se mais um dos detalhes brilhantes: o peluche tenta correr para nós mas cai impotente no meio da neve.

É por esta história, todos os detalhes que aqui falei e mais alguns (mais dois exemplos - sempre que vamos pegar no Teddy, vemos as mãos do Toddler a fazer-lhe festinhas enquanto solta um risinho de alegria; para activar o menu de pausa do jogo temos que usar o comando "esconde os olhos", que leva a que o Toddler erga as mãos para tapar os olhos) que considero o jogo excelente.

Pode ter todos os defeitos técnicos apontados nas críticas. Mas é uma história contada de uma maneira excelente, e conseguiu ser tocar-me, que é algo que não acontece todos os dias...

Concept art do "monstro-gabardina"

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