Benvindos!


Bem-vindos!

Neste blogue iremos encontrar (ou reencontrar) pedaços da imaginação e criatividade humana nas mais diversas formas e feitios - Livros, Banda desenhada, Cinema, TV, Jogos, ou qualquer outro formato.

Viajaremos no tempo, caçaremos vampiros e lobisomens, enfrentaremos marcianos, viajaremos até à lua, conheceremos super-heróis e muito mais.

AVISO IMPORTANTE: pode conter spoilers e, em ocasiões especiais, nozes.


sábado, 31 de dezembro de 2016

Sozinho em Casa

Há  filmes que associamos sempre a determinadas épocas, especialmente ao Natal. 

Este é um deles.

Para a meia dúzia de pessoas que ainda não apanhou com ele N vezes na TV, trata da história de um puto de 8 anos, cuja família, com a pressa de ir passar o Natal a Paris, deixa para trás inadvertidamente. 
Resultado: fica uns dias sozinho em casa (daí o título). 
Sim, foi negligência grosseira, e o facto de terem contado por engano o puto dos vizinhos que estava a cuscar a carrinha quando iam a sair é desculpa de mau pagador. 
A mãe do rapaz, horrorizada com o que aconteceu, chega a Paris e tenta mover mundos e fundos para voltar para casa o mais rápido possível (o que é uma tarefa hercúlea na véspera de Natal), implorando, berrando e subornando pessoas, apanhando aviões que davam a volta ao bilhar grande e uma boleia de uma trupe de artistas de polka, apenas para conseguir chegar uns minutos antes do resto da família,  que se limitou a esperar pelo primeiro vôo disponível. Era de prever.
Entretanto, em casa, o puto, chamado Kevin (para quem não sabe), diverte-se um bocado, encomenda pizza só de queijo e defende a casa (e a vizinhança) de dois assaltantes em série, os "Bandidos Molhados", através de métodos que o candidatariam ao lugar de director da prisão de Guantanamo. Ainda arranja tempo para descobrir que um velhote meio eremita do bairro não é um serial killer mas sim um homem solitário que, por uma discussão estúpida (não são todas?), se isolou da família. Sendo o filme que é, Kevin promove com sucesso a reconciliação do sujeito com a família alienada.


O filme é de 1990, numa época de viragem em que os anos 80 não queriam ir embora - basta ver os chumaços da mãe, o look geral do filme, a presença gloriosa das Micro Machines e a total ausência de telemóveis, que se existissem de forma omnipresente como agora, teriam invalidado filme, já que a falha dos despertadores seria redundante. Ah, e as saudosas cassetes VHS, o meio privilegiado de entretenimento vídeo desses saudosos anos.

No entanto, não envelheceu mal, ao contrário do Macaulay Culkin, que aqui ainda estava engraçadito e longe de parecer o irmão mais novo do Steve Buscemi (sei que esta não é original, mas vou usar à mesma, desculpem lá).
O humor é um bocado ingénuo mas vinte e tal anos depois ainda resulta bem, graças não só a Culkin como também aos "Bandidos Molhados", Harry & Merv, desempenhados em glorioso humor físico por Joe Pesci e Daniel Stern.

E, como bom filme natalício que é, enche-nos as medidas, paralelamente à trama do "rapaz de 8 anos a defender o forte", com temas apropriados à época, especialmente a reconciliação após a zanga. Já mencionei a história do velho Marley, mas ainda não mencionei que o próprio Kevin estava pegado com a família deles e antes do "desaparecimento" desejara que todos deixassem de existir, desde os pais até ao irmão Buzz que lhe fazia bullying, passando pelos horrorosos tios e primos e mesmo pelo pai, cujo actor faz lembrar um bocado o Capitão Kirk do Star Trek original.

Acaba por se tornar, assim, um clássico de Natal.

Como tudo, gerou um monte de produtos derivados, como jogos vídeo (alguns bastante bons, gostava particularmente do jogo de PC) e algumas (urghh!) sequelas, a primeira ainda com o Macaulay Culkin e umas outras de que nem é bom falar.

Se forem como eu e decidirem ver o filme pela enésima vez, divirtam-se. Vinte e seis anos depois, o filme ainda me faz rir um pouco.




terça-feira, 29 de novembro de 2016

Defenders - Indefensible





Quem seguiu as aventuras da Liga da Justiça a partir de meados dos anos 80, após a Crise nas Terras Infinitas, o evento que remodelou o multiverso da DC, está familiarizado com o trabalho de um certo trio...

Keith Giffen, J.M. DeMateis e Kevin Maguire.

Rompendo com a seriedade que era emblema das aventuras dessa equipa, os membros desse grupo (acompanhados de outros cúmplices) recriaram a Liga num registo muito mais ligeiro, com humor muitas vezes absurdo embora sem deixar de manter uma dimensão... pode dizer-se épica, mesmo, de grandes aventuras, mas sem se levarem demasiado a sério.

Enquanto faziam com que a Liga enfrentasse ameaças mortais como o Homem Cinzento, também criaram epopeias como a da Liga da Justiça da Antártida ou das saídas à noite, para ir para a farra, dos membros alienígenas da Liga (J'onn, Gnort e Kilowogg, estou-vos a ver!). Ah, não esquecendo que apresentaram ao Martian Manhunter as bolachas Oreo.
Anos mais tarde, ainda tiveram uma mini comeback tour na forma das mini-séries "Formerly Known as Justice League" e "I Can't Believe It's Not The Justice League".

Podia estender-me por essas façanhas fora, mas não é disso que quero falar aqui hoje.

Em 2005, a gangue reuniu-se para dar um tratamento semelhante não a outro grupo da DC, mas a um da Marvel.

Neste caso, o "não grupo" dos Defensores (ou Defenders, como preferirem). Para evitar confusão com o grupo homónimo que irá ter em breve uma série na Netflix, e para quem não sabe e tem preguiça de googlar, passo a explicar:

Os Defensores são uma espécie de grupo informal (ou seja, não tem o estatuto de grupo fixo como os Vingadores ou os X-Men), normalmente composto por membros "à parte" (para não chamar "marginais"), sendo o núcleo duro o Dr. Estranho, o Hulk, o Namor e o Surfista Prateado.
Reunindo-se essencialmente apenas em momentos de crise que assim o exigiam, juntavam-se com alguma animosidade, despachavam a ameaça e seguiam as suas vidas.

As relações entre o grupo nunca foram grande coisa...

Confesso que as poucas aventuras que vi com eles foram em histórias do Hulk dos anos 90, e efectivamente querelavam um bocado entre si.

...como de resto fica bem claro nestes diálogos. Acompanhados
do traço super-expressivo de Maguire, valem ouro.

Chega 2005, e eis que o trio de criadores acima mencionados os reúne mais uma vez, desta feita para enfrentar a ameaça conjunta de Dormammu (arqui-inimigo do Dr. Estranho) e a sua irmã, Umar.
Os reúne, por assim dizer, já que para começar, o Surfista nem sequer se junta aos outros, passando toda a história numa praia a filosofar com surfistas desmiolados estereotípicos e não chega a fazer a ponta dum chavelho.

Yep, o "quarto mosqueteiro" está lá just for show.


Já os outros 3 passam as passas do Algarve a enfrentar o outro duo, sendo que Dormammu consegue roubar os poderes de Eternidade, tornando-se omnipotente e recriando a realidade, com versões retorcidas dos heróis Marvel (algumas bem interessantes), incluindo o próprio Dr. Estranho. Manipulado, é claro, pela irmã (que se entretém a ter sexo com o Hulk e a ameaçar Banner que o mata se não se transformar, algo que não consegue porque ficou demasiado relaxado). Eventualmente, acaba por perder o controlo graças aos artifícios de Estranho e o universo é salvo.

Na realidade, a série pouco impacto tem em termos de cânone, sendo totalmente autocontida e não tendo impacto em outras histórias. No entanto, é um exercício divertido de quezílias entre heróis (muitas!), humor um bocado parvo (reconheço, não é para todos - muita gente não gostou de ver Dormammu a queixar-se à irmã sobre de quem é que os pais gostavam mais) e principalmente, das expressões faciais a la Maguire, que por si só fazem valer a leitura.

Portanto, é mais um passatempo que uma história, mas serve para entreter, e, para quem se deliciou com as desventuras da Liga há muitos anos, para matar saudades da equipa...

Não é todos os dias que vemos a faceta mais... vulnerável de
um overlord transdimensional!

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Popular Skullture

Tendo em conta o momento de Halloween, fica um apontamento breve sobre um dos símbolos da época, que são as caveiras; mais concretamente, falando num livrinho em que elas são as protagonistas: Popular Skullture, de Monte Beauchamp, editado pela Dark Horse.

O autor fala um pouco sobre o simbolismo da caveira - as suas conotações com a morte, por exemplo (embora não) só, e o poder da mesma na cultura popular (daí o trocadilho no título). Como o próprio diz, é um símbolo eficiente, que evoca assuntos sérios, embora possa ser utilizado também em contexto humorístico e de forma mais ligeira. 

Convém, contudo, não aligeirar a coisa demasiado - ele alerta-nos para a inadequação de usar este símbolo, por exemplo, para convites para eventos do género baptizado ou casamentos, ou anúncios de nascimento.

Ok, e agora digo eu: até seria giro ir a um casamento com motivos de esqueleto. Pelo menos para mim, seria uma mudança bem vinda.

Mas voltando ao livro, após a introdução, que até é interessante (também se foca, noutra parte, na cultura pulp da primeira metade do século XX, dos anos 30 aos anos 50, na origem da banda desenhada, interligada a essa cultura e ao advento dos mass market paperbacks). Isto tudo para explicar o meio onde outrora proliferaram os esqueléticos sorrisos. 
Também explica o declínio desse uso, essencialmente devido à cruzada anti-BD iniciada por Fredric Wertham, com o lançamento do seu The Seduction of the Innocent, e que levou ao "corte de pernas" dos comics, durante anos, e as suas repercussões nos meios "irmãos".

Depois desse bocado de história, entramos na parte mesmo boa: um mostruário de mais de uma centena e meia de capas dessas publicações. 

Um desfile de arte com o motivo da caveira, em livros, revistas e BD de terror, policiais e mesmo de histórias de espionagem e guerra. Arte para todos os gostos, caveiras estilizadas, bem desenhadas, mal desenhadas, em primeiro plano ou embutidas subtilmente na composição, muitas vezes com o resto do esqueleto acompanhante.

Mas sempre, sempre, pelo menos uma caveira (nem sempre evidente, como já disse).

É um livro que se atravessa num instante, mas que deixa uma impressão nostálgica. E até ensina umas coisitas. O que aprendi com este livro:

1) Os ilustradores daquela época tinham ou pouco jeito ou referências péssimas para desenhar crânios e esqueletos (suponho que teria dado jeito o Google para irem buscar umas imagens de referência);
2) Muitos achavam giro deixar uns dentes a menos (a sério, tantos deles) ou então desenhar os dentes como se fossem uma serrilha;
3) Por alguma razão, aranhas gigantes com uma caveira a servir de cabeça parecia-lhes uma boa ideia. Estou a lembrar-me de pelo menos três;
4) Alguns deles até tinham jeito para a coisa.

Assim, arte boa ou má (e temos os dois extremos), temos mais um mostruário de macabro, que nos remete para outros tempos. Uma sugestão para uns momentos engraçados...


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

The Mad Scientist Hall of Fame

Ah... Mad Science. Em português, fica mal: "Ciência Louca". Por outro lado, os seus praticantes, os Cientistas Loucos, são um arquétipo muito usado em filmes da série B (e por aí abaixo) e produções análogas.

Quem não conhece um cientista louco? Se não na vida real, pelo menos no cinema? A figura deve as suas raízes, em parte, a um cientista que não enquadra completamente na definição - a versão cinematográfica do Dr. Frankenstein no filme da Universal no início dos anos 30, com o seu intemporal "It's alive", quando anima a criatura usando um aparato científico (ou pseudocientífico, vá), que também é imagem de marca do Cientista Louco estereotipado; já a versão literária era mais sóbria, embora lançasse a semente do conceito.

Claro, as raízes e definições do que é um "Cientista Louco" são mais complexas, dariam mesmo para um post muito mais comprido do que aquele que eu, preguiçoso como ando, estou disposto a escrever hoje.

De resto, também não é esse o objectivo. A ideia não é analisar o conceito de Cientista Louco (deve haver toneladas de material sobre isso na net, sugiro o artigo da Wikipédia como ponto de partida). É homenageá-lo.

E como sou, reitero, preguiçoso, vou falar de uma homenagem já feita.

O livro de Daniel H. Wilson (sim, o roboticista que escreveu o Robopocalypse e outros textos bastante interessantes dos quais talvez eu ainda venha a falar) e Anna C. Long, The Mad Scientist Hall of Fame.

É um livrinho de divulgação, que já li há uns anos (e provavelmente devia reler) focado na figura do Cientista Louco, quer em versões clássicas quer em versões menos evidentes. Analisa vários Cientistas Loucos fictícios e faz paralelo com contrapartes do mundo real, e é aí que se torna mais interessante. Além das suas histórias e façanhas (famosas e infames, não há discriminação), os personagens ainda são analisados do ponto de vista psicológico.

Assim, a par do obrigatório Victor Frankenstein (um grande depressivo com tendência à psicose), temos o Capitão Nemo (vítima de stress pós-traumático), Dr. Moreau (narcisista e com delírios de grandeza), Lex Luthor (Narcisista e com episódios de mania) e Henry Jekyll (caso extremo de personalidade dissociativa e abusador de substâncias), devidamente explicados ao público.

Também constam personagens mais benignas, como o Professor Tournesol do Tintin (aqui chamado pelo nome em inglês, "Professor Calculus", e que aprendemos que tinha défice de atenção) ou o Professor Farnsworth (do Futurama), cujo nome deriva de um "Mad Scientist" da vida real, Philo Farnsworth (que também tem um capítulo próprio).

Podia mencionar todos os Cientistas Loucos da vida real, mas deixo para quem quiser ler o livro (senão isto fica a parecer uma versão apontamentos Europa-América).

Gostei de conhecer o anti-social Trofim Lysenko, uma figura do tempo da Guerra Fria, e cujo maior papel, devido à sua incompetência em geral em produzir ciência a sério, foi boicotar a produção da mesma por cientistas a sério (este tipo não seria tão louco e sim um perigo de outra maneira - se se tivesse esforçado tanto a desenvolver ciência como se esforçou para eliminar outros cientistas, talvez a Guerra Fria tivesse corrido pior para o ocidente).

Também gostei de ficar a conhecer um pouco mais Sidney Gottlieb, que inspiraria tanto vilão cinematográfico com o seu projecto de controlo mental, MK-Ultra, e que era, a meu ver, um vilão de pleno direito.

Achei interessante a introdução do Nikola Tesla, que fiquei a saber que tinha delírios sobre contactos de extra-terrestres, bem como a de Marie Curie, que aparentemente era uma grande depressiva (mas não tanto louca - bem, talvez o fosse pelos padrões de hoje, por se expôr a radiação nas doses em que o fazia, mas é muito fácil criticar que sabia pouco e deu os primeiros passos para estudar alguma coisas quando se tem décadas ou séculos de informação acumulada, não é?).

E claro, também foi interessante conhecer o já mencionado Philo Farnsworth, um provável maníaco que impulsionou a implementação da televisão, sendo possívelmente, do rol de nomes do livro, o que maior impacto teve a nível mundial.

Uma leitura definitivamente a fazer, seja por amor à Mad Science seja só para aprender algumas coisas.

A capa, cujos efeitos de cor não é possível reproduzir aqui,
apresenta um típo Mad Scientist: bata, luvas negras, goggles
e gargalhada insana.



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Hulk na Encruzilhada

Capa do TPB com a saga

Não me lembro se já o disse aqui antes, mas o Hulk, a par do Homem de Ferro, é um dos meus personagens favoritos de sempre na Marvel.

Conheci-o ainda em miúdo (eu, não ele) quando passou uma série muito ronceira dos anos 60 - basicamente uma versão lida e ligeiramente animada dos primeiros comics dele, um malabarismo que a Marvel fez com alguns dos principais heróis. Não me recordo quando exactamente vi isso, sei que deve ter passado na RTP1 ou na RTP2 porque só havia esses canais (sim, eu sou desse tempo). Também me recordo de ver algumas histórias do Capitão América nesse formato.
Mais tarde li algumas histórias dos primeiros números da editora Abril em casa de primos e de amigos e fiquei a saber um pouco mais do personagem - principalmente que era forte como sei lá o quê, e que se transformava (em Hulk) sempre que se enervava ou que se acalmava (em Banner).

Hulk # 60 da Editora Abril.
A 1ª revista do Huk que eu tive.
Mas a primeira história que li com ele que me cativou mesmo foi uma com o Homem de Ferro em que, quando tentavam "curar" o Banner com um implante cibernético que o impediria de se enervar, aconteceu o contrário, e o implante impedia-o de se acalmar. Batalha épica, com o Homem de Ferro a conseguir deixar o Hulk KO mas a custo de fritar a armadura toda (e de ser salvo pelo Homem-Formiga, que teve de lá entrar para a desligar e soltar o Stark). Foi uma das primeiras revistas de BD que tive - a Heróis da TV nº 90, da editora Abril.

Capa do TPB da saga Pardoned, em que
o Hulk ficou dominado pela a
mente/personalidade de Banner
A partir daí, passei a ficar muito interessado em tudo o que metesse o gigante verde. Algum tempo depois, quando os meus interesses saltaram definitivamente das revistas da Disney e do Maurício de Sousa para a Marvel e DC, passei a coleccionar o Hulk. E comecei a fazê-lo pelo nº 60, se bem me lembro, na altura em que o Hulk estava preso na... Encruzilhada!



Então, que história era essa? Bem, o Hulk tinha, recentemente, sofrido uma nova transformação depois de algumas aventuras no espaço. Mais concretamente, a mente de Bruce Banner passou a dominar o gigante verde, que obteve o reconhecimento que merecia, juntamente com um perdão presidencial por todos os estragos feitos até à época. Passou a ser um super-herói de pleno direito e também a dedicar-se a pesquisa científica, a verdadeira vocação do Dr. Banner. Sempre (e sem o saber) sob a vigilância da agência S.H.I.E.L.D.
De qualquer forma, o estado de graça do Hulk foi sol de pouca dura. Para atingir o Dr. Estranho, um dos seus arqui-inimigos, o Pesadelo, levou o Hulk à loucura, provocando a retracção completa da mente de Banner (que se julgou ter desaparecido completamente) e a transformação do Hulk num monstro irracional e duma selvajaria nunca antes vista.

O Hulk na encruzilhada!
Após o mandatório confronto com outros super-heróis em que se estava a progredir para eventual necessidade de matar o Hulk (para o neutralizar definitivamente), o Dr. Estranho resolveu a situação com outra solução: enviou o gigante para um espaço extradimensional, a Encruzilhada, que dava acesso a múltiplos outros mundos, através de portais. A ideia era que o Hulk fosse experimentando esses mundos até encontrar um onde estivesse em paz e sentisse felicidade (ou algo que passasse por isso). Caso se encontrasse infeliz, o feitiço que Estranho usou automaticamente traria o Hulk de volta à encruzilhada para experimentar outro local.
Portanto, uma solução humanitária. E o início de um dos ciclos de histórias mais invulgar na história do personagem.

A partir desta premissa, Bill Mantlo (o autor destas e outras histórias, e que atingiu um estatuto algo lendário) pôde enveredar por argumentos mais atípicos e que tinham mais de ficção científica e fantasia, inclusivamente com aspectos de histórias de horror, que de histórias clássicas de super-heróis.

Logo a título inaugural, num conto digno de um episódio de Twilight Zone ou de The Outer Limits, o gigante verde viu-se perdido numa cidade que estava a ser assolada e destruída por uma guerra, mas uma cidade com contornos invulgares, da qual não conseguia sair, parecendo um cenário de cartão e com máquinas de guerra falsas, e que no fim se percebeu que era tudo um modelo de brincar de uma descomunal criança alienígena.

Visitou mundos inóspitos e agrestes, conhecendo alienígenas com os quais travou uma espécie de amizade (num dos casos uma relação simbiótica) o que mostrou que a selvajaria estava a diminuir e que talvez a mente de Banner ainda estivesse lá, enterrada no fundo da sua psique mas não erradicada.

Encontrou um mundo de típica fantasia medieval, onde se viu desprovido de poderes e se tornou escravo de um grupo de cavaleiros malignos, acabando por ajudar uma rapariga cativa deles (e noiva à força do líder do grupo) a libertar o seu povo.

Os "pompons colectivos" - o aspecto estranho e pateta
escondia um traidor letal
Conheceu e foi posteriormente traído por uma entidade bem sui generis, chamada "Puffball collective" (segundo os brasileiros, os "Pompons colectivos"), que era um agregado tipo hive mind de seres flutuantes parecidos com minúsculos pom-pons e que se agregavam em múltiplas formas, pedindo a ajuda de Hulk para sair da Encruzilhada mas revelando-se na realidade servos dos demónios N'Garai, com os quais tinham arrasado o seu mundo de origem.

Ainda enfrentou os U-Foes, um grupo de inimigos seus que foram parar acidentalmente a esse espaço extradimensional, e juntou-se (ainda que involuntariamente) à tripulação do barco espacial Andromeda, que já surgira em aventuras anteriores, para participar na caça do capitão Cybor, um ciborgue (duh!) enlouquecido, ao monstro Klaatu, numa história que presta homenagem ao clássico Moby Dick de Herman Melville.

Pelo caminho, a presença residual de Banner vai-se tornando mais evidente, especialmente com o aparecimento de três seres misteriosos - A Guardiã (Guardian), o Brilho (Glow) e o Duende (Goblin), que aparentam estar a tentar restaurar o Hulk ao seu estado anterior, ou pelo menos ao ponto em que estava antes de Banner tomar o controlo meses antes.

Mas para mim, o ponto alto da saga é uma história em que através de flashbacks, se toma conhecimento de que a origem do Hulk não foi somente a explosão da bomba gama após a qual Banner se transformou a 1ª vez. Não, o Hulk começou a surgir na forma de toda a raiva acumulada por Banner desde criança, por ser vítima de abusos por parte do pai, que sempre o vira como um mutante e uma aberração, e o maltratara de acordo com isso. O mesmo pai que agredia a mãe de Bruce quando esta o protegia e que acabou por matá-la. Nessas memórias-chave, e num recurso estilístico interessante, a silhueta de Hulk já vai ensombrando o jovem Banner. E, curiosamente, a Guardiã, o Brilho e o Duende surgem em determinadas recordações, evidenciando-se que eram aspectos da vida de Banner que adquiriram simbolismo dentro da sua psique (por exº, a Gurdiã era uma boneca de pano que a mãe lhe dera).
Foi uma história fundamental para abrir caminho a outras sagas, especialmente pela mão de Peter David, anos mais tarde, que passaram a abordar as múltiplas versões do Hulk como múltiplos aspectos da mente de Banner, ou mesmo múltiplas personalidades, derivadas do passado violento e abusivo na altura da sua infância.

No seguimento dessa história temos finalmente o regresso de Banner numa história de horror, em que trava conhecimento com um alquimista que fora banido para um dos mundos onde o herói vai parar, e que descobrira a fonte da vida eterna - extracção da força vital a partir do sangue dos nativos desse mundo. Mas como continuava a envelhecer, decidiu que o melhor seria alimentar-se do Hulk. Dá para imaginar o que se segue...

Finalmente, num crossover com a série Alpha Flight, o grupo titular, quando tentava resgatar o espírito de um dos seus membros (o Sasquatch), "pesca" o Hulk por engano e trá-lo de volta para a Terra. O Hulk, de volta ao seu estado clássico com mentalidade infantil, espalha o caos no Canadá até conseguir o que queria - afastar-se para ficar sozinho.

Como disse, foi uma saga bastante atípica, e encerra com chave de ouro o final da parceria Bill Mantlo/Sal Buscema, que haviam produzido as histórias do personagem durante vários anos. Também ajuda o facto de ter Gerry Talaoc, que se juntara à equipa durante o arco "Regression" a fazer a arte-final (ou inking) e dando um aspecto bastante mais sombrio às histórias, que não destoariam em publicações tipo Creepy ou Eerie.

Após este arco de histórias, a série foi assumida (por pouco tempo) pelo não menos lendário John Byrne, que também fez das dele. Mas isso já não é história para hoje.

Hulk e os seus três protectores.





domingo, 31 de julho de 2016

Batman: Digital Justice





Hoje em dia, o uso de tecnologia digital na produção de banda desenhada é mais regra do que excepção, havendo muitos artistas que produzem BD sem sequer recorrer a papel.

Claro que nem sempre foi assim, e não há tanto tempo quanto isso, BD digital era uma novidade.

OK, digo "não há tanto tempo" só com o intuito descarado de não me sentir velho, porque o objecto deste post é um álbum de BD criado em 1990, e recordo-me, na minha adolescência, que essa graphic novel foi notícia.

Trata-se de "Batman: Digital Justice", criado pelo autor espanhol Pepe Moreno, na altura um vanguardista que defendia (e com razão) que esse seria o futuro da BD.

De que trata então esta novela gráfica?

É, claro, uma história de super-heróis, mas em contexto de FC cyberpunk. Numa Gotham City futurista governada quase totalmente por sistemas informáticos, um vírus criado décadas antes pelo arqui-inimigo do Batman, o Joker, corrompe esses sistemas e vai tomando o poder na cidade.

Cabe a Jim Gordon, da polícia, neto do antigo comissário com o mesmo nome, fazer-lhe frente, adoptando o manto do morcego, apoiado por uma inteligência artificial criada pelo Batman original, que já previa o desenrolar da situação. Pelo caminho encontra a cantora Gata, que não é bem quem parece e que assume o papel da Catwoman do Futuro.

Amostra da arte 2D...
Trata-se de um álbum com uma história interessante; pelos padrões de agora, nada de novo, mas a grande novidade era mesmo a parte gráfica.



Temos que tem em conta que se trata de uma produção gráfica de há 26 anos. Dito isto, não envelheceu mal. Outras não tiveram a mesma sorte (por exemplo, Crash! com o Homem de Ferro, tem um aspecto completamente tosco). Faz lembrar um bocado o que vemos quando nos dedicamos a retrogaming: desenhos 2D um pouco pixelizados (e que fariam o orgulho das cutscenes dos jogos da altura), embora com recurso generoso a "copy + paste" (mas há que dar desconto ao autor) e cenários e imagens 3D muito rudimentares (mas que seriam topo de gama na época); estas últimas são usadas abundantemente nas sequências do ciberespaço.
...e da arte 3D

A temática distópica fica bem acompanhada desse grafismo, sendo que somos presenteados com paisagens do ciberespaço invocando circuitos electrónicos que se confundem com o aspecto ciberizado (esta palavra existe?) da própria megalópolis que serve de cenário.

Sobre a produção da BD, a graphic novel traz uma nota engraçada - além de ter levado mais de um ano a produzir (o que talvez para os padrões americanos seja muito tempo, mas a BD classicamente na europa é produzida de modo mais intervalado), especifica o equipamento usado: um sistema MacIntosh II com placa de cores de 32 bits, sistema de palete de 16 milhões de cores, 8 MB (sim, megas) de RAM e disco removível de 45 MB (novamente, megas). Parece risível, mas na altura era mesmo impressionante, tal como o uso de um monitor de 19 polegadas...

O autor

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Day Of The Tentacle




Na minha adolescência (e início de vida adulta) nos anos 90, e sendo uma fase da minha vida em que eu "devorava" jogos de computador, tive hipótese de desfrutar de um género que teve o seu apogeu nessa época, antes de ficar meio esquecido e, recentemente, começar a contar com uma série de novos títulos (e com ofertas interessantes): as aventuras gráficas do género point & click.

Já falei de algumas aventuras gráficas aqui, sendo a mais antiga a Phantasmagoria, publicada já numa altura em que o género estava em declínio.

Day Of The Tentacle (ou DOTT, como era conhecido), contudo, é outra louça. Vem do tempo áureo dessas aventuras, em que fomos brindados com numerosas peças espectaculares, muitas delas provenientes de duas casas emblemáticas: a LucasArts e a Sierra.

DOTT, datado de 1993, foi um presente da LucasArts e era a continuação (mais uma "sequela solta") de um outro jogo, Maniac Mansion. Aliás, o Maniac Mansion estava incluído no DOTT. Era possível jogá-lo, estando acessível através do uso do computador no quarto de um dos personagens com quem interagíamos.

Além de fazer uso de coulrofobia, DOTT usava o mítico interface SCUMM
nas interacções com o mundo do jogo.

De resto, não era necessário ter jogado Maniac Mansion (eu, pessoalmente, nunca o terminei) para nos divertirmos com DOTT, embora houvesse referência a eventos do primeiro jogo na história, bem como alguma metafísica (envolvida em certos puzzles) acerca de os personagens do jogo terem dado origem a... um jogo. Bem como a uma série de TV - o que é verdade, pois houve uma série homónima do Maniac Mansion, que pelo que sei, era apenas muito vagamente relacionada com o jogo. Vagamente, como em "série com mesmo nome e alguns personagens com o mesmo nome e pouco mais".

Os heróis: Bernard, Laverne e Hoagie
Mas voltando ao DOTT, o jogo era uma delícia. Tínhamos a hipótese de controlar 3 personagens distintos, Bernard (o único "veterano" do 1º jogo, um nerd cuja semelhança física com Bill Gates não me parece coincidência), Laverne (uma assustadora estudante de medicina) e Hoagie (um aspirante a roadie para bandas rock). De regresso estava a mansão e a família Edison do 1º jogo, bem como os tentáculos.

Aliás, a história volvia em torno de um dos tentáculos (sim, o Dr. Fred Edison tinha tentáculos como animais de estimação - e tal como um personagem no jogo dizia, ainda não percebi como é que eles falam e comem por uma ventosa), o maligno tentáculo roxo, que ganha braços após contactar com lixo tóxico e resolve conquistar o mundo.

O tentáculo verde (o bonzinho) pede ajuda aos heróis, e o Dr. Edison resolve mandá-los para trás no tempo, na sua máquina do tempo activada por um diamante de imitação, para impedir a mutação e evitar o embróglio todo. Mas como o diamante era falso, a coisa não corre bem. Bernard fica no presente, Laverne vai parar 200 anos ao futuro, quando os tentáculos governam o mundo, e Hoagie aterra 200 anos no passado, conhecendo personagens históricos como George Washington, Ben Franklin e Betsy Ross, só para nomear alguns.

Viajando no tempo em grande estilo: em casas de banho de exterior,
também conhecidas como... Chron-o-Johns...

...conhecendo personagens históricos...

...ou descobrindo um futuro desanimador. Para os humanos, isto é.

Além do humor excelente (tínhamos elementos curiosos, como concursos de beleza para humanos amestrados, que tínhamos de vencer embelezando uma múmia; martelos para esquerdinos e brigadas agressivas do fisco), a mecânica dos puzzles era não linear e muito interessante, por dar envolver precisamente os gaps no tempo. Muitos eram resolvidos com uma acção numa época que produzia resultados noutra (por exemplo, cortar no século XVIII a árvore na qual Laverne ficava encalhada no século XXII), assim como podíamos enviar objectos de umas épocas para outras.

No futuro sinistro, múmias ganham concursos de beleza!
Parabéns, Dead Cousin Ted!


Recentemente tive oportunidade de reviver a aventura, desta vez numa versão "remastered" em HD lançada há pouco tempo mas completamente fiel ao original. E apesar de a passagem dos anos (e a minha experiência prévia de o jogar múltiplas vezes na adolescência) me ter feito o jogo parecer mais fácil que antes, ainda é uma aventura que vale bem a pena.

Comparação entre as versões antiga e moderna. A ensaboadela foi essencialmente
estética - apesar de se poder optar por um interface novo, o jogo é basicamente
o mesmo. Felizmente.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Os Minicomics dos Masters of The Universe

Uma vez mais regresso décadas no tempo, a revisitar um elemento da minha infância.

Já noutras ocasiões falei aqui do franchise dos Masters of The Universe (vou passar a chamar-lhes MOTU no resto do post), nomeadamente da banda desenhada.
O 1º minicomic

Ora bem, em miúdo eu coleccionava a bonecada do He-Man e companhia (e acabei com um monte deles), e uma das coisas que a colecção tinha de interessante eram os livrinhos que acompanhavam as figuras. 
Estes dividiam-se em dois grupos: catálogos com a colecção actual (à data) de figuras, veículos e castelos (ou análogos) e os minicomics, e é sobre estes que vou falar.

A Mattel, numa jogada incomum, resolveu incluir, desde o princípio da produção dos MOTU no início da década de 1980, histórias a acompanhar os bonecos, e que serviam um duplo propósito: criar um universo misto de fantasia e ficção científica para inspirar as crianças e servir de fundo às brincadeiras e, naturalmente, promover os produtos da linha de brinquedos.

O interior era mais de livro ilustrado e não
propriamente banda desenhada...
Para tal, criaram várias séries de livros, inicialmente uma de 4 livros ilustrados (texto acompanhado de uma figura ilustrada por Alfredo Alcala), que promovia a primeira fornada de bonecos e veículos, e em que o mundo de He-Man era bastante diferente daquele que se tornou popular mais tarde por influência dos desenhos animados da Filmation. Por exemplo, o herói não era a identidade secreta de um príncipe, mas sim o campeão de uma tribo de guerreiros bárbaros; havia muita indefinição sobre o alinhamento do personagem Zodac (e também alguns personagens retratados no alinhamento errado na primeira história, como Stratos) e havia duas personagens femininas para a mesma figura - Teela como guerreira e a feiticeira/deusa (aqui com vestes de serpente e não de falcão).
...e tinham um He-Man bárbaro antes
de existir o príncipe Adam

Só em edições mais tardias se começou a incorporar elementos da série de TV, tais como o Príncipe Adam, a Feiticeira (com aspecto de ave) e por aí fora.

As histórias tinham cerca de 16 páginas (mais tarde passaram a ter cerca de 12 ou até menos) e normalmente tinham um conto autolimitado bastante ligeiro em conteúdo. Curiosamente, alguns nomes famosos da BD americana trabalharam nesses livros, tal como o já mencionado Alfredo Alcala (cujo trabalho em Swamp Thing sempre me impressionou, e que aqui também mostra a sua qualidade), Mark Texeira (conheci-o na BD do Punisher e do Ghost Rider) e o lendário Bruce Timm (cujo traço característico ainda não se manifestava como actualmente, embora já se notasse uma tendência incipiente para o desenho "cartoony").
Estes já eram mais normaizinhos... e supercomerciais

Por cá tínhamos uma fracção apenas dos cinquenta e tal minicomics: é que a bonecada que vinha para o nosso país era a versão de Espanha, por isso os livritos eram as versões dos "nuestros hermanos", e elas só adaptaram para aí uma dúzia deles. Assim, vinham muitos repetidos, e muitos catálogos também. Na realidade, ainda houve uma meia dúzia traduzida para português e que era, se bem me recordo, distribuída a título promocional nas lojas de brinquedos.

O 1º minicomic da irmã do He-Man:
cor-de-rosa não só na
imagem como nas histórias...
Recentemente pude adquirir um pequneo tesouro: um livro da Dark Horse ("He-Man and the Masters of The Universe - Minicomic Collection") que compila não só os minicomics originais dos MOTU como também da colecção "irmã", She-Ra Princess of Power, da "sequela" dos MOTU, "He-Man - The New Adventures" e das versões revivalistas dos MOTU em 2003 e a versão "Classics".

A série Princess of Power era claramente orientada para o público feminino e vê-se isso bem nos comics: histórias de princesa cor-de-rosa que até parecem insultuosas nos dias que correm; as New Adventures inclinaram a balança para a ficção científica mas nunca me convenceram, a série perdeu o carisma aí, no que me diz respeito. 
As Novas Aventuras: aqui acho
que já estavam a exagerar.
Já os revivalistas têm alguma piada (até porque eles incluem uma história inédita da colecção de 2003, para a qual só foram feitos dois comics - aparentemente em formato comic normal; já no que respeita aos Classics, só incorporam um) e foi talvez a semente para o trabalho mais recente da DC Comics de que provavelmete falarei noutro dia.

Em todo o caso, esse volume da Dark Horse, que ronda as mil e duzentas páginas é um verdadeiro tesouro para mim, permitiu ler material que sempre quis ver - literalmente há décadas - sem o trabalho nem a despesa de andar a caçar esses minicomics pela net e a pagar exorbitâncias.

O que me leva a pensar... Será que os que eu tenho valem alguma coisa? E por onde é que eles andam? Tenho de os descobrir novamente...

E isto, meus caros, é um baú de tesouro para geeks.
Tem a qualidade redentora de pesar mais de 1 kg, sempre
obriga a malta a fazer exercício enquanto lê...

sexta-feira, 29 de abril de 2016

All-Star Batman & Robin The Boy Wonder

Sabem como é quando não conseguem decidir se gostam ou não de alguma coisa?
Isso é algo que acontece ocasionalmente a qualquer um. A mim já me aconteceu algumas vezes, por exemplo, ainda hoje não percebi se gostei do filme "Ichi The Killer" ou não. E, com esta série do Batman passa-se precisamente o mesmo.
A premissa era óptima -  tal como se passara com o excelente All-Star Superman, uma mini-série fora da cronologia principal, criada por Frank Miller, autor dos lendários "Year One" e "The Dark Knight Returns" (duas obras de referência deste herói) e ilustrada por Jim Lee, também este já experiente no homem-morcego.

O que correu mal, então?

A série tinha tudo para gerar muitos "Wow", mas creio que a reacção prevalente foi mesmo o "WTF?".
Capa do TPB que reúne os 9
primeiros números

Miller tentou, uma vez mais, mostrar um Batman diferente, e conseguiu. O problema é que o diferente, neste caso, não significou necessariamente melhor. 
Eu explico: temos um Batman ainda nos seus primórdios, mas que pouco tem a ver com o de "Year one".

É um Batman que parece deleitar-se demais com a violência com que combate os criminosos, rindo histericamente durante as lutas; é um Batman que, para iniciar o treino do Robin, o prende na caverna (depois de virtualmente o raptar) e o tenta obrigar a comer ratazanas para sobreviver. 

Outras coisas que parecem fora do sítio estão lá, tal como a Black Canarybarmaid (e a distribuir porrada no bar), bem como o fling entre estes heróis ou uma Wonder Woman "feminazi".

a servir de

Pois é, aqui o "diferente" torna-se apenas bizarro, e fica-se com a ideia que os heróis andam a abusar de substâncias ao longo da história e que estamos perante um desfile de violência gratuita.

A arte de Jim Lee, por outro lado, mantém-se firme, e é uma mais valia neste caso, bem como pequenos detalhes engraçados, tais como uma proto-Liga da Justiça que incorpora um Super-Homem que ainda não descobriu que pode voar (por isso atravessa o oceano a correr à superfície da água) ou um encontro com o Lanterna Verde Hal Jordan em que Batman e Robin se defendem... pintando-se de amarelo.

A séria nunca foi totalmente encerrada, tendo entrado em hiato após o nº 10, e nunca mais sendo retomada.
Porque seria...?

Se não fosse tão excessiva, as boas ideias tê-la-iam tornado um êxito, tenho a certeza. Mas da maneira que correu...

Já vos disse que ainda não consegui decidir se gosto desta série ou não?

"I'm the goddman Batman" - para bem ou para mal, isto ficou famoso...

terça-feira, 29 de março de 2016

Among The Sleep - um estudo de horror na perspectiva dos 2 anos


Toddler & Teddy, dois heróis incomuns


Aqui há umas semanas estive a jogar o Among the Sleep. Joguei-o uma vez só, mas adorei-o.

Pensei, inicialmente, fazer uma review do jogo, mas entretanto reparei que já há várias, umas a dizer bem, outras a dizer mal... E resolvi fazer antes uma dissertação de por que é que adorei o jogo.

Sim, pode ter os seus defeitos (especialmente o ser curto), mas é um jogo que vale mesmo a pena. É uma aventura jogada em 1ª pessoa, pela perspectiva de uma criança de dois anos (conhecida apenas como "the Toddler"), e é aí que reside o génio do jogo.

Tudo é visto e interpretado como se fossemos uma criança pequenina.

A sequência do início (a festa de anos com a mãe) é confusa, principalmente na parte em que ela sai de cena e entra em conflito com alguém. Só aí já devíamos ter ficado a suspeitar dela (o facto de ela ter um aspecto sinistro ajuda - pelo menos achei-a sinistra, não sei se era intencional), bem como quando ela diz algo nas linhas de que "tens de parar de te esconder de mim".

E quando a aventura começa efectivamente... verificamos como uma casa normal pode ser assustadora. Tudo parece enorme e muito escuro, há montes de coisas escritas, mas que parece hieroglíficas dado que o Toddler não consegue ler... os trovões e os relâmpagos parecem explosões colossais.

A atmosfera é opressiva desde o início, e nem a presença de Teddy, o ursinho de peluche que ele recebe de prenda (e que pode ser abraçado, iluminando-se) consegue atenuá-la completamente. Juntem a isso o não poder correr muito tempo (o Toddler cai) e sentimo-nos ainda mais desamparados. A maneira mais rápida de se deslocar é mesmo gatinhar, mas aí perde-se a hipótese de agarrar objectos convenientemente.

O jogo é um exercício de desamparo, de como o mundo normal e anormal podem ser mesmo assustadores - escuros, desproporcionados, solitários (nem sempre o Teddy está ao nosso lado), confusos, deformados grotescamente e com presenças ameaçadoras que são mais vezes adivinhadas que observadas directamente.

Rapidamente Toddler passa a viajar em cenários surrealistas, à procura das memórias perdidas que lhe permitirão encontrar a mãe desaparecida. Estes cenários, incluindo um nível intermédio que corresponde a uma espécie de casinha de brincar, são versões distorcidas de cenários "comuns" (um parque infantil, uma cabana num bosque, o interior de um roupeiro), distorcidos pela percepção da criança, que por sua vez é perseguida por monstros. O monstro que mais vezes surge é uma espécie de Troll feminino (eu gosto de lhe chamar isto, mesmo que não seja um Troll), cuja proximidade deforma o som e a imagem, e que quando apanha o Toddler, aparentemente grita com ele e o abana?

Faz lembrar alguma coisa? Talvez uma forma de mau trato chamada "shaken baby syndrome"? É que enquanto as pistas soltas pelos cenários (especialmente o último) sugerem que os pais se separaram devido a problemas de alcoolismo, mais concretamente, que a mãe fugiu com o Toddler ao pai, a realidade é outra, descoberta no final: a mãe é que é a alcoólica e que agredia a criança, como acontece na sequência final do jogo. Durante uma das fugas, o Teddy é arrancado ao protagonista, que fica só com o braço do urso. Quando o Toddler acorda do suposto pesadelo e encontra a mãe meio caída, bêbada, no chão da cozinha, ela tem o urso. E quando nos aproximamos, ela grita e empurra-nos, distorcendo o som e a imagem por um momento, como acontecia com o "Troll".

O monstro principal - "The Drunk Mother"

E o mais dilacerante? O Toddler, mesmo assim, se quisermos, pode ir confortá-la com umas festinhas na cabeça, enquanto ela chora e se lamenta a dizer que é tudo "demais". Afinal a mamã nem é um monstro a tempo inteiro...
Finalmente, alguém bate à porta, e é uma voz masculina, cujo dono nunca se vê, mas que vem da porta aberta da casa, irradiando luz, e que diz que vem buscar a criança e que vai consertar o Teddy. Como a voz é a mesma do urso, imagina-se que será o pai do miúdo que o vem, por assim dizer, salvar da mãe.

Este estudo em medo, abuso infantil e percepções do menor é completado com um prólogo (o DLC gratuito do jogo) em que o menor anda a tentar salvar uns peluches que lhe foram tirados pelo monstro ("O monstro não gosta de felicidade") e que estão parcialmente gelados. O Toddler anda por uma casa que está no meio de um nevão (não a mesma do jogo principal) a fechar as janelas e a activar os objectos que associa a memórias felizes (por exemplo, uma cassete de desenhos animados ou música alegre) o que permite soltar os peluches. Entretanto, o Troll começa a persegui-lo; pelo caminho surgem imagens e ouvem-se vozes que demonstram os conflitos dos pais, a separação e a fuga de casa.
O último peluche está cá fora na neve, e quando estamos quase a apanhá-lo, aparece a mãe (aparentemente conseguiu perceber que o puto lhe fugiu para a neve mesmo debaixo do nariz) que pega em nós e nos leva embora. Nesta altura vê-se mais um dos detalhes brilhantes: o peluche tenta correr para nós mas cai impotente no meio da neve.

É por esta história, todos os detalhes que aqui falei e mais alguns (mais dois exemplos - sempre que vamos pegar no Teddy, vemos as mãos do Toddler a fazer-lhe festinhas enquanto solta um risinho de alegria; para activar o menu de pausa do jogo temos que usar o comando "esconde os olhos", que leva a que o Toddler erga as mãos para tapar os olhos) que considero o jogo excelente.

Pode ter todos os defeitos técnicos apontados nas críticas. Mas é uma história contada de uma maneira excelente, e conseguiu ser tocar-me, que é algo que não acontece todos os dias...

Concept art do "monstro-gabardina"

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Imperial Handbook - A Commander's Guide



Na senda de outros livros deste autor, que já antes abordei, como o The Jedi Path ou o Book Of Sith, este Imperial Handbook é mais um manual/livro de referência (o quarto da série) no universo Star Wars (mais especificamente, no antigo expanded universe, agora rotulado de "Legends").

À semelhança dos outros já referidos "manuais", este volume simula um manual distribuído aos oficiais do Império Galáctico, algum tempo antes do episódio IV, e supostamente foi encontrado após os eventos do episódio VI, e devidamente anotado por várias personalidades da Rebelião/Nova República, como Han Solo, Leia Organa, Wedge Antilles ou o renegado Crix Madine.
E os capítulos são escritos por nomes "sonantes" do império, tais como Wullf Yularen, o Almirante Motti, o General Tagge ou o próprio Tarkin. Para além das notas introdutórias e finais do próprio imperador.

Está recheado de informação interessante (e alguma menos interessante, como a divisão dos exércitos e frotas) relativa ao poderio militar imperial, dividida em várias secções - armada (navy), exército (army) e corpo de Stormtroopers. Para além disso tem ainda capítulos referentes à política imperial e à "doutrina Tarkin".

Os capítulos sobre as forças armadas são interessantes, se devidamente situados no universo "Legends", e têm alguns pedaços que apelam mesmo à "nerdice" (por exemplo, os projectos de Super Star Destroyers, que aparecem pela primeira vez em O Império Contra-Ataca, e que são referidos como estando em desenvolvimento à data de emissão do manual, ou as considerações de Rom Mohc sobre a glória do combate em campo de batalha, remetendo para o seu projecto "Dark Trooper", que era o ponto fulcral do primeiro Dark Forces).

Mas para mim, onde o livro brilha mais é mesmo é nos capítulos inicial e final, sobre as políticas imperiais.
São verdadeiros "tesourinhos fascistas", com arte a condizer, e pretendem justificar todas as atrocidades imperiais como necessidades para manter a lei, a ordem e a paz, através de discurso xenófobo e militarista. "Pintam", de modo geral, todos os não-humanos como criaturas retrógradas e selvagens, que deixadas entregues a si próprias, só trazem caos e desordem. Já para não mencionar os "malefícios" da democracia, que só serve para não conseguir fazer nada, certo? Já para não mencionar os piores vilões de todos: os Rebeldes!
Mas, ao mesmo tempo, mostram a rigidez mental e o excesso de auto-confiança da organização imperial, que se revelariam a causa da queda do mesmo.

Wallace repete a sua fórmula habitual, que já não surpreende mas que, neste volume, consegue um resultado mais interessante que no volume anterior, The Bounty Hunter Code.

Uma adição interessante à série, e à bibliografia Star Wars em geral.




domingo, 31 de janeiro de 2016

Space Invaders e a questão dos escudos - batota ou não?

Julgo não dizer enormidades quando afirmo que, de uma maneira ou outra, quase toda a gente conhece o velhinho Space Invaders.

O clássico jogo de enfrentar uma invasão alienígena, vaga após vaga, usando uma navezinha (ou talvez um tanque) com um canhão que só dispara um tiro de cada vez, tentando acertar em todos os aliens (ou naves, quem sabe) que vão descendo inexoravelmente pelo ecrã. E que também vão disparando uns projécteis, de uma forma que lembra desconfortavelmente umas caganitas.

A nossa defesa? O nosso movimento, claro, e 3 escudos espalhados pela parte de baixo do ecrã de jogo, que se vão deteriorando à medida que vão sendo atingidos. Temos algumas vidas, que perdemos sempre que um projéctil-caganita nos atinge ou os mauzões conseguem chegar à base do ecrã.

O jogo é famoso por múltiplas versões, desde o original arcade no início dos anos 80 (ou fim dos anos 70? Devia ir ver ao Google mas estou com preguiça) até edições comemorativas todas quitadas para as consolas domésticas já no nosso século XXI.

Eu iniciei-me neste jogo não no meu computador mas em casa de um primo que tinha um saudoso ZX Spectrum 48K. Sim, os míticos computadores a que se ligava um leitor de cassetes e se tentava um monte de rituais para o jogo entrar, desde micro-ajustes no volume de som até promessas aos deuses das trevas. Mais tarde cheguei a obter uma cópia para o meu 128K (cujo leitor de cassetes incorporado era mais camarada), mas o meu 1º contacto foi nesse 48K.

E foi aí que descobri uma coisa gira. Os escudos eram perfuráveis não só pelos projécteis dos invasores como pelos nossos tiros. Vai daí, nada mais lógico (pareceu-me) que pôr-me debaixo dos escudos, abrir um buraco e disparar calmamente através dele, até limpar o terço do ecrã correspondente e passar para outro escudo e repetir.

Aparentemente, isso era batota, disse-me o meu primo. Devia andar de um lado para o outro, a oferecer o peito à bala electrónica. 
Não concordo, e deixo aberta a discussão (batota ou não) para os 0,45 seguidores habituais do blogue. É verdade que sou um utilizador assumido de cheat codes nos jogos quando me dá jeito, mas se o jogo o permitia fazer, não era batota. Ok, admito que podia ser pouco fair play, mas quando se é um miúdo de 7 ou 8 anos e se quer fazer um trabalho, usa-se a lógica dos miúdos. Aquela mesma lógica que o mundo real se incumbe alegremente de destruir...