Benvindos!


Bem-vindos!

Neste blogue iremos encontrar (ou reencontrar) pedaços da imaginação e criatividade humana nas mais diversas formas e feitios - Livros, Banda desenhada, Cinema, TV, Jogos, ou qualquer outro formato.

Viajaremos no tempo, caçaremos vampiros e lobisomens, enfrentaremos marcianos, viajaremos até à lua, conheceremos super-heróis e muito mais.

AVISO IMPORTANTE: pode conter spoilers e, em ocasiões especiais, nozes.


terça-feira, 29 de abril de 2014

Phantasmagoria

Em meados da década de 1990, o CD-ROM marcava território como media nos jogos. Progressivamente, os jogos de "meia dúzia de disquetes" passavam a jogos de "um CD", com todo o conteúdo das suas parentes mais frágeis (as disquetes de 1,44 MB) e muitas vezes, com conteúdo extra - vídeos, níveis/cenários novos ou pura e simplesmente, fala.

Lembro-me de nesses tempos dizer no gozo "qualquer dia passamos a ter jogos de 5 ou 6 CDs" em alusão à crescente quantidade de dados contidos no software.

Meu dito, meu feito. Nos tempos finais da era de ouro das aventuras gráficas, o CD veio permitir criar estas... enormidades, como Phantasmagoria, da Sierra. Chamo-lhe enormidade, em parte, porque era um jogo que vinha em sete CDs. Mas não só por isso.

O início da aventura
O jogo, lançado em 1995, conta-nos uma história não muito original em que a protagonista, Adrienne Delaney, uma escritora, e o seu marido, Gordon, um fotógrafo, vão viver para a mansão do falecido mágico Zoltan Carnovash (ou Carno, para simplificar).
No início tudo OK, mas rapidamente Adrienne começa a explorar a casa e a encontrar passagens secretas, alguns objectos estranhos e mensagens perdidas que indicam que nem tudo corria bem com Carno e as suas esposas. Após um pouco mais de reconhecimento, a jovem encontra uma capela secreta atrás de uma lareira, onde estão um livro e uma caixa vedada, que Adrienne abre, soltando algo que no início não se percebe muito bem o que é - apenas uma espécie de vapor verde, que sai da capela (não, ninguém tinha comido feijoada nesse momento).


Explorando a casa...

...e encontrando a fatídica capela secreta.

Entretanto, Gordon, que inicialmente estava entretido a criar uma sala escura para servir de estúdio, começa a ficar progressivamente mais distante e agressivo, tendo inclusivamente atitudes violentas (quem conhece o jogo aqui levanta a mão e diz, "Eu sei, eu sei -  a infame cena de violação na casa de banho!"); Adrienne continua a encontrar mais coisas estranhas que incluem aparentes assombrações e mensagens fantasmagóricas no seu computador. Entretanto, quer directamente, quer através de conversas com terceiros, como os habitantes da vila vizinha e o par Harriet e Cyrus, dois sem-abrigo acampados no seu terreno que Adrienne contrata para ajudarem na casa, vai encontrando pistas sobre a história de Carno.
Sucede que o mágico estava possuído por um demónio e sob a influência do mesmo assassinou as suas várias esposas, até encontrar o seu fim.

Gordon começa a ficar violento. Será influência demoníaca,
ou apenas por causa do rabo-de-cavalo?

Adrienne vai apanhar ar, e encontra uma pitoresca vila de
típica arquitectura estilo "3D anos 90"
Adrienne apercebe-se que soltou o demónio e que Gordon está controlado pelo mesmo, mas muito tarde - Gordon já começou a matar gente e tenta fazer o mesmo a Adrienne, repetindo os procedimentos que Carno usara anos antes, mas esta acaba por conseguir defender-se e vê-se obrigada a matá-lo... apenas para libertar o demónio, que tem de enfrentar na sequência final do jogo.

Como já disse, o argumento não é por aí além original, embora na época fosse considerado algo chocante (pelo conteúdo violento com gore e conteúdo sexual), mais ainda porque a autora da história, Roberta Williams, um dos grandes nomes da Sierra, era famosa por escrever a saga King's Quest e, modo geral, por conceber jogos "soft" próprios para todas as idades.

A famigerada cena de violação. Tem o mérito duvidoso de ser
a única altura em que Adrienne não aparece com a camisola
cor de laranja e as calças pretas.

Quando Adrienne não derrota o demónio com rapidez suficiente,
zás, ele rasga-lhe a cabeça a meio num espectáculo gore.

O choque mesmo veio do grafismo do jogo -  hoje obsoleto mas na época, uma espécie de superprodução com tudo a que o jogador tinha direito - diversas cenas de full motion video e personagens pré-filmadas colocadas em frente a cenários renderizados a 3D.

A vidente automatizada. Nunca nos dá uma boa notícia. Se calhar
é por causa de ser feita no glorioso 3D dos anos 90...

Não parece bem?

Actualmente... não.

Na época, esse tipo de produção era um must; actualmente, parece berrante e forçado, especialmente em contraste com a captura de imagens dos actores.
E mesmo esses... bem, digamos apenas que não são material de óscar. Ah, e melhor ainda, nota-se um contorno azulado frequente em redor deles. Enfim, niquices técnicas relacionadas com a produção. As cenas full motion parecem um pouco menos artificiais, mas apenas um pouco menos... E têm alguns momentos bons, admitamos, a maioria relacionada com a presença de Carno.

Uma das cenas em que Carno matava uma esposa...
... e outra...

...yep, Carno casou muitas vezes. E matou quase todas as esposas

Quanto à lógica, a narrativa às vezes falha em aspectos relacionados com a continuidade - a história está dividida em 7 capítulos, cada um correspondendo a um dos CD-ROMs originais, e o jogo permite jogá-los independentemente de termos completado os anteriores - um bocado como selecção de capítulos num filme em DVD. A questão é que automaticamente fornece todos os itens necessários para não se ficar encravado (e aí sim, o jogo mostra evolução em relação a títulos anteriores da Sierra em que era comum ficar preso no fim por causa de um objecto que não encontrávamos no início ou no meio do jogo), só que como há mais que uma solução para certos puzzles, se resolvermos avançar para outro capítulo podemos ter o inventário modificado.
É certo que isso não destrói a experiência do jogo mas para picuinhas (como eu) pode ser causa de comichão.

Claro, há falhas maiores no argumento: por exemplo, ao jogar Phantasmagoria pode passar a ideia que é boa política meter 2 vagabundos na nossa casa, ainda por cima com acesso à casa toda só para ter dois criados que trabalham de graça (boa sorte!), com o bónus que a Harriet ainda é cartomante. Mas o menos credível de tudo é... a Adrienne passa uma série de dias a vestir sempre a mesma roupa! Correndo o risco de parecer machista, quantas mulheres por aí usam quase uma semana seguida a mesma indumentária (e ainda por cima uma farpela típica dos anos 90, em que o mundo parecia querer pôr os anos 80 para trás da pior maneira)?

Harriet: sem abrigo, governante e vidente. Uma mulher
de múltiplos talentos. E, pelo aspecto, aspirante a
gnomo de jardim...

O jogo pretendia ser o primeiro de uma série de títulos stand-alone de jogos de terror, e como tal, ainda originou uma sequela (independente do primeiro) em 1996, Phantasmagoria: A Puzzle of Flesh, mas isso é história para outro dia...

Gordon usa o escalpe de Harriet para tentar apanhar Adrienne
desprevenida. O que é mais horrível: o conceito ou a execução
do mesmo em FMV primitivo?

Sem comentários:

Enviar um comentário