Benvindos!


Bem-vindos!

Neste blogue iremos encontrar (ou reencontrar) pedaços da imaginação e criatividade humana nas mais diversas formas e feitios - Livros, Banda desenhada, Cinema, TV, Jogos, ou qualquer outro formato.

Viajaremos no tempo, caçaremos vampiros e lobisomens, enfrentaremos marcianos, viajaremos até à lua, conheceremos super-heróis e muito mais.

AVISO IMPORTANTE: pode conter spoilers e, em ocasiões especiais, nozes.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Discworld

Por onde começar a falar sobre a série Discworld?

Pelo princípio, talvez. O que é o Discworld?

O Discworld é, como o próprio nome indica, um mundo em forma de disco. Estranho, podem pensar. E é. E como é que um mundo em forma de disco anda no espaço? Como gira em torno do sol?

A resposta à primeira pergunta é: apoiado em quatro elefantes colossais. Os quais, por sua vez, estão pousados na casca de uma tartaruga ainda mais colossal. A qual nada através do vasto cosmos, pois trata-se de uma tartaruga marinha, a grande A'Tuin. Dizemos uma tartaruga, mas a verdade é que nunca se determinou se é uma ela ou um ele. Já tentaram, mas falharam. Só se sabe que a tartaruga nada pelo espaço, levando literalmente um mundo às costas. O que nos leva à outra questão...

Como gira em torno do seu sol? Não o faz. É o sol que gira em torno dele. Tal como a lua. São, então, diminutos, mas como estão muito próximos do disco, a proximidade compensa a falta de tamanho.

Confusos? Talvez. Mas não vale a pena. À primeira vista, tudo isto pode parecer um tanto louco, ou disparatado. Mas não é. É, isso sim, a base para uma série longa de livros escrita pelo britânico Sir Terry Pratchett, passada nesse mundo.

Contando com dezenas de volumes, alguns escritos em colaboração com outros autores (incluindo guias, agendas, selecções de citações, dois dicionários e uma trilogia entrelaçada com divulgação científica), é uma série que continua em expansão até esta data, tendo já sido adaptada a peças de teatro, a banda desenhada, mini-séries de TV, filmes de animação e videojogos.



Temos então um mundo-disco que serve de fundo a todo este material de fantasia. O conceito de um mundo em forma de disco não é novidade, tendo servido de base a um outro livro de Pratchett, Strata. Nesse sim, o mundo encontrava-se suspenso no cosmos. É uma história de ficção científica interessante, também, e provavelmente virei a falar nela, noutra ocasião.

Mas voltando à estrela deste post, o Discworld em questão é a base para uma série de fantasia que começa de um modo mais parodiante - o primeiro volume, The Colour of Magic, é, essencialmente uma história em que Pratchett goza de fininho com montes de convenções de fantasia - e que, volume a volume, se torna mais definida, mais séria (sem no entanto perder o humor fino britânico a que Pratchett nos habitua), abordando assuntos muito reais - guerra, discriminação social e racial, escravatura, o poder da imprensa, entre outros - e que, sem deixar de nos divertir e entreter, nos dá, geralmente, algo em que pensar.



Naturalmente, o elenco de personagens é abundante, e normalmente são recorrentes na série e frequentemente entrecruzam-se. Temos, entre outros:

- Rincewind, o "Feitisseiro" (chamo-lhe assim porque usa um chapéu cónico com a palavra "Wizzard" escrita, para que ninguém o confunda). É o protagonista dos dois primeiros volumes e personagem frequente ao longo da série, seja como protagonista, seja como personagem secundário. Trata-se do mais inepto utilizador de magia no Discworld e diz-se, inclusivamente, que quando ele morrer, o pool de magia vai aumentar. É um poliglota (já que sabe implorar por misericórdia e pedir socorro em diversas línguas). Já percorreu imensos locais e países, normalmente a fugir de alguém, o que lhe valeu, na Unseen University (o local onde os feiticeiros são treinados, ou pelo menos fingem bem), o título de "Egrégio Professor de Geografia Cruel e Invulgar". Tem na sua posse a Luggage, um baú de viagem mágico com múltiplas pernas e um apetite devorador que já salvou o dono em inúmeras ocasiões.

- Death, a Morte (masculino nos originais em inglês). Um dos Quatro Cavaleiros do Apocralipse (o apocalipse apócrifo). Monta um cavalo branco chamado Binky, o qual se recusa a partilhar com os outros cavaleiros quando as suas montadas são roubadas, mesmo correndo o risco de lhes chamarem "O Cavaleiro e os três Pedestres do Apocralipse). Vive numa casa fora do tempo e do espaço, em que tenta reproduzir as condições de vida dos humanos, pelos quais tem um fascínio imenso, embora não os consiga entender. Tem uma neta adoptiva, Susan, que herdou várias das características dele. Death é uma antropomorfização, tem o aspecto clássico de um esqueleto num robe com capuz, brandindo uma foice e falando numa voz sepulcral QUE É REPRESENTADA NA SUA TOTALIDADE EM MAIÚSCULAS, DESTA MANEIRA.

- Avózinha (Granny) Weatherwax - chefe não oficial das bruxas de Lancre, e mais ou menos reconhecida como chefe das bruxas em geral. O que ela própria não aceita. Trata-se de uma mulher sábia, experiente e severa, embora demonstre bondade à sua maneira especial. Normalmente acompanhada de outras bruxas, tais como Nanny Ogg ou Tiffany Aching, muitas vezes trabalha sozinha. E embora seja uma excelente utilizadora de magia, a sua magia principal é o uso de "cabeçologia" - entender como funcionam as cabeças das pessoas e agir de modo a tirar o melhor partido disso. Um exemplo excelente é quando está a treinar uma bruxa nova e roga uma praga a um carpinteiro que a desrespeitou. Quando a aprendiza lhe pergunta se a praga funciona mesmo, ela diz que não, mas que da vez seguinte que o sujeito acertar num dedo quando estiver a martelar um prego, de certeza que se vai lembrar dela...

- Samuel Vimes - comandante da guarda da cidade Ankh-Morpork. Evolui desde um guarda caído em desgraça (e banido para a guarda nocturna junto com outros indesejáveis) até nobre diplomata representante da cidade e o agente da lei mais admirado e respeitado a nível internacional. Normalmente protagoniza os volumes sobre a Guarda Nocturna/Guarda da Cidade. É casado com lady Ramkin, uma criadora de dragões e humanitária. É um personagem que, apesar do seu estatuto ascendente, não renega as suas origens humildes (vem de uma família paupérrima e cresceu na pior parte da cidade), tendo a honestidade e a justiça como os seus valores mais fundamentais, e exigindo o mesmo de todos aqueles sob o seu comando.

- Cohen o Bárbaro - um guerreiro bárbaro que, na sua primeira aparição, conta com uma idade avançada; faz a sua última aparição com mais de 90 anos e uma longa experiência de não deixar que o matem em combate. Lidera a Horda Prateada, um grupo de bárbaros igualmente idosos e mantém-se tão aguerrido como fora em jovem. Excepto pelo facto de que tem que usar ligaduras em torno dos joelhos, para que os estalos que os mesmos dão ao caminhar não alertem os seus inimigos.

- O Bibliotecário - o antigo bibliotecário da Unseen University, transformado num orangotango num acidente mágico durante uma das primeiras aventuras escritas por Pratchett. Os outros feiticeiros prontamente de disponibilizaram para o reverter à forma inicial, mas ele sempre recusou. Aparentemente, o corpo símio é muito mais prático para alcançar livros em locais difíceis. E espancar alguns deles até à submissão, afinal, estamos a falar da biblioteca do quartel-general dos feiticeiros...

- O Patrício - Lorde Havelock Vetinari, Assassino de formação, é o governante tirano de Ankh-Morpork. Mas é um tirano moderno, e nas suas próprias palavras, "Só porque posso fazer tudo o que quero, isso não significa que eu possa fazer tudo o quero". Vetinari é um indivíduo extremamente inteligente e calculista e que sabe que se permitir certas liberdades aos seus súbditos, consegue mantê-los mais governáveis. Também sabe que muitos dos anteriores governantes acabaram mal porque governavam de forma extremamemente cruel, muitos deles por serem loucos. Vetinari não é louco e evita crueldade desnecessária. Excepto contra Mimos, que não suporta. É um governante extremamente eficiente e consegue manter a complicada Ankh-Morpork a funcionar e a prosperar, o que não é um feito pequeno. É um personagem puramente maquiavélico, e como Maquiavel, escreveu um livro sobre as suas reflexões acerca da arte de governar - "O Servidor".

Como imaginam, o elenco é vasto demais para ser abordado aqui (merecia uma série de posts por si só), pelo que apenas escolhi uma amostra com os meus personagens favoritos. Muitos outros estão presentes ao longo da série, como a enérgica Nanny Ogg, o arquichanceler dos feiticeiros Mustrum Ridcully, os minúsculos (mas não menos perigosos) Nac Mac Feegles ou o con artist regenerado Moist von Lipwig, todos eles sendo personagens elaborados e com substância própria.



A própria Ankh-Morpork, a cidade-estado onde decorrem muitas das histórias, é quase uma personagem em si só. Ao longo dos livros a sua história e geografia, inicialmente vagas (de propósito, pois Pratchett não se queria sentir muito constrangido pelos detalhes) vão-se definindo num todo um pouco mais complexo, sempre sem perder a piada. Por exemplo, o rio Ankh, que atravessa a cidade, é tão poluído e espesso que se diz que não corre, arrasta-se, e quando um cadáver aparece a boiar no rio, a Guarda da cidade pode delinear o contorno do corpo a giz. Os habitantes, por outro lado, não concordam que seja um rio poluído. Afinal, toda a urina da cidade vai lá parar, e água que passou por mais de um milhão de pares de rins tem de estar necessariamente super purificada...

Pratchett, cria o seu próprio mundo de fantasia, em que mistura conceitos novos com outros pré-estabelecidos, mas dando-lhes toques novos, muitas vezes para brincar com os "cânones". Assim, temos Anões que são uma raça mineira, cuja hierarquia é baseada na organização da extracção mineira e que gostam de cantar canções sobre ouro. Normalmente as canções são assim: "Ouro! Ouro! Ouro! Ouro!". Os Trolls, sendo uma espécie de vida rochosa à base de silício (em vez de carbono), apenas funcionam
bem em ambientes frios, sendo que em climas temperados ou quentes ficam lentos e aparentam ser idiotas. Temos os Auditores da realidade, com uma paixão pela ordem e organização completamente obsessiva, uma classe de seres extradimensionais que detestam todas as formas de vida devido ao caos inerente a essas formas. Vampiros que formam uma liga para controlarem a sua sede de sangue como se de apenas um vício se tratasse. Um monte de deuses que só conseguem existir se alguém acreditar neles. Elfos que são predadores interdimensionais. E por aí fora.

O autor estabelece muitos locais e personagens equivalentes a entidades reais (e a algumas fictícias famosas), muitas vezes espelhando o nosso mundo, seja de modo parodiante ou não. A liga que mencionei no parágrafo anterior (League of Temperance) funciona como os Alcoólicos Anónimos e outros grupos semelhantes. Cohen o Bárbaro é uma paródia evidente ao Conan e personagens semelhantes. Leonard da Quirm é o equivalente ao Leonardo da Vinci (embora provavelmente mais aéreo). As criaturas das Dimensões das Masmorras têm o seu paralelo nos monstros Lovecraftianos (completos com o Necrotelecomnicon, o livro usado para as contactar). O continente perdido de XXXX (ou "Quatroxis") funciona como a nossa Austrália; Uberwald é o equivalente às terras estereotípicas dos filmes de terror antigos, tipo Transilvânia. A própria Ankh-Morpork é uma espécie de megalópole à moda de Londres ou Nova Iorque (tendo como unidade monetária o Dólar de Ankh-Morpork). Lancre e The Chalk espelham a Inglaterra rural (ou pelo menos, meios rurais reais). E, repetindo-me, por aí fora.



Até agora, com a excepção de dois volumes, li toda a série em inglês. Para quem tem facilidade, aconselho-o, pois Pratchett utiliza muitos jogos de palavras e trocadilhos que creio que se perdem, pelo menos parcialmente, por muito boa que seja a adaptação. Já houve algumas adaptações para português destas obras; conheço, pelo menos, as adaptações de Mort e Wyrd Sisters pela Caminho, na antiga colecção "Ficção Científica", os sete primeiros volumes pela Temas e Debates e o "The Wee Free Men" na Colecção Teen da Saída de Emergência (os dois volumes que li em Português foram as edições da Caminho).

Este post está enorme, e muito mais poderia escrever, como fã que sou desta colecção. O que muito provavelmente irei fazer.
Até lá, e a título de curiosidade, um link para um site que contém múltiplas versões das capas dos diversos livros (e de onde saíram as figuras que acompanham o texto): http://www.lspace.org/about/lspace-now/index.html










Sem comentários:

Enviar um comentário