Benvindos!


Bem-vindos!

Neste blogue iremos encontrar (ou reencontrar) pedaços da imaginação e criatividade humana nas mais diversas formas e feitios - Livros, Banda desenhada, Cinema, TV, Jogos, ou qualquer outro formato.

Viajaremos no tempo, caçaremos vampiros e lobisomens, enfrentaremos marcianos, viajaremos até à lua, conheceremos super-heróis e muito mais.

AVISO IMPORTANTE: pode conter spoilers e, em ocasiões especiais, nozes.


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Guerra dos Mundos

"No one would have believed in the last years of the nineteenth century that this world was being watched keenly and closely by intelligences greater than man's and yet as mortal as his own; that as men busied themselves about their various concerns they were scrutinized and studied, perhaps almost as narrowly as a man with a microscope might scrutinize the transient creatures that swarm and multiply in a drop of water. With infinite complacency men went to and fro over this globe about their little affairs, serene in their assurance of their empire over matter. It is possible that the infusoria under the microscope do the same."



Com estas frases (no original em inglês) se inicia um clássico da literatura de ficção científica, The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos) de Herbert George Wells.

É uma das minhas histórias de FC favoritas. O meu primeiro contacto com ela foi através da colecção de banda desenhada "Clássicos RTP", lançada em meados dos anos 80, e fiquei rapidamente fascinado com a história:
Uma invasão de Marte no final do século XIX (creio que na altura, sendo miúdo, não o estava a situar muito bem no tempo), com máquinas de guerra aparentemente invencíveis a semear a destruição por onde passavam. Tripuladas por monstros semelhantes a polvos e chegando ao nosso planeta por via de disparos potentíssimos. Sim, os invasores e os seus equipamentos vêm no interior de projécteis cilindricos descomunais disparados da superfície do Planeta Vermelho.
Uma vez na Terra, iniciam, laboriosamente, o seu plano de destruir as nossas civilizações para ocupar o nosso planeta e usurpar os seus recursos. A história é contada do ponto de vista de um sobrevivente anónimo, separado da esposa no caos inicial da invasão e que relata diversos episódios que presenciara ou de que tomara conhecimento durante os tempos que se seguiram, até à derrota inesperada dos invasores.

Os Marcianos são derrotados não pelos humanos, cujas instituições bélicas faliram (em toda a história há apenas duas ou três máquinas de guerra marcianas destruídas por humanos), mas sim, num toque deliciosamente irónico, pelos microorganismos do nosso planeta, para os quais os invasores não tinham defesas. Ou seja, desde o dia um da invasão, estavam a adoecer, acabando por sucumbir ao fim de algum tempo.
Sorte nossa.

Este clássico viu numerosas adaptações e obras derivadas (por exemplo, sequelas não oficiais), fosse à banda desenhada (sendo exemplos a adaptação que mencionei, ou então a simpática versão da Disney, com o Rato Mickey como protagonista - nesta versão os Marcianos não morrem mas vão-se embora a espirrar e a fungar), ao cinema, a séries televisivas, a jogos de computador e mesmo uma versão em musical.
Naturalmente, foi traduzido em diversas línguas, entre as quais a nossa; o livro foi publicado várias vezes em Portugal (sou o possuidor da edição da colecção "FC de Bolso" da Europa-América, obtido na minha adolescência nos anos 90, lido e relido várias vezes, até recentemente o "substituir" por uma edição em inglês pela Tor Books), coincidindo uma das edições recentes com a adaptação da obra ao cinema na versão de Spielberg.

O livro é tido por muitos como uma alegoria e crítica ao imperialismo do século XIX (particularmente ao Britânico); não pondo de parte essa interpretação, o livro tem uma série de conceitos dignos de uma história de terror:
- A transição inicial de uma época de paz e prosperidade relativas para um estado de guerra total;
- Toda a impotência dos humanos face a invasores totalmente bizarros e incompreensíveis - os Marcianos são uma espécie de cérebros desencorporados com tentáculos que usam as máquinas como substituto dos corpos perdidos, um conceito que na época de lançamento do livro era originalmente alienígena e grotesco (se pensarmos bem, ainda é grotesco) - invasores que não podem ser parados, que destroem tudo por onde passam e exterminam os humanos, ou pior ainda, os caçam para se alimentarem (sendo essencialmente cérebros, não tinham sistema digestivo e necessitavam de transfusões de sangue com nutrientes para subsistirem, e os humanóides-gado que trouxeram morreram todos nas aterragens); os contactos com os invasores são sempre chocantes ou aterrorizantes, tais como no episódio da casa demolida com o protagonista preso lá dentro;
- Os trípodes de guerra, máquinas virtualmente imparáveis que usavam armamemento tecnologicamente avançado - raios de calor que carbonizavam humanos às dezenas ou fumo negro venenoso que se infiltrava nos sítios menos acessíveis onde os humanos se podiam tentar esconder - criando uma atmosfera de "não há fuga possivel".

É um livro cuja leitura me traz sempre qualquer coisa de novo; ainda hoje torço para que um dia alguém o adapte ao cinema de uma forma mais fiel que as até à data realizadas; não achei que a versão de Spielberg fosse má de todo, até seguia razoavelmente bem o enredo do livro, mas preferia uma versão de época - sem as lamechices do filme, e sem histórias mal-contadas sobre teletransportes para máquinas escondidas há muito tempo (vá lá, uma delas sai de um buraco no meio da cidade e vão-me dizer que nunca ninguém tinha dado por aquele colosso lá enterrado?). É verdade que a versão de Wells não pega bem na actualidade, mas mal por mal, acho mais divertido e adequado à época o conceito original.

Detalhe da capa da versão "FC de Bolso". Numa "gralha"
interessante, temos trípodes com 4 pernas...

Abri este texto citando o início do livro, parece-me adequado encerrá-lo com as linhas finais...

"And strange, too, it is to stand on Primrose Hill, as I did but a day before writing this last chapter, to see the great province of houses, dim and blue through the haze of the smoke and mist, vanishing at last into the vague lower sky, to see the people walking to and fro among the flower beds on the hill, to see the sight-seers about the Martian machine that stands there still, to hear the tumult of playing children, and to recall the time when I saw it all bright and clear-cut, hard and silent, under the dawn of that last great day... And strangest of all is it to hold my wife's hand again, and to think that I have counted her, and she has counted me, among the dead."

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Doctor Who - The Forgotten

Gosto bastante do Doctor Who. Não sou fanático, e nunca vi episódios do 1º, do 2º ou do 3º Doctor. Vi alguns do 4º, bastantes do 5º, vários do 6º e do 7º. Nunca vi o filme com o 8º e ainda não deitei a mão ao 11º.
Quem me conquistou mesmo foram o 9º e o 10º. Particularmente o 10º.

Quem não conhece a série, neste momento deve achar que bebi uns copos a mais.
Eu explico. O personagem principal da série, conhecido apenas como "Doctor", é um alienígena (humanóide) de uma raça de viajantes (pelo espaço e, principalmente, pelo tempo) chamados Time Lords, do planeta Gallifrey.

O Doctor tem uma paixão particular pela Terra e, como tal, está sediado nela a maior parte do tempo, embora as suas aventuras o levem a todos os cantos do espaço e do tempo, e mesmo a outros universos.

A história dos números é a seguinte: sempre que um Time Lord está perto da morte, pode regenerar e transformar-se num sujeito novo - literalmente. O corpo físico altera-se, bem como certos traços da personalidade. Mantém as memórias das suas encarnações anteriores, bem como as suas características mais fundamentais. O resto muda. Assim, até 2012, e ao longo de décadas, tivemos já 11 encarnações diferentes do Doctor, cada qual com o seu look e as suas manias.
Na verdade, tratava-se de um artifício para poder prosseguir a série (entre nós desde 1963, com alguns hiatos) mudando o actor principal, mas tornou-se um elemento fundamental nos enredos de muitas histórias.

Assim, vimos já o Doctor a ter inúmeras aventuras, viajando no seu veículo TARDIS (que significa Time And Relative Dimension In Space, e que por fora está bloqueado com a forma de uma cabina telefónica azul da polícia mas por dentro é enorme e tem vários pisos), seguido por diversos companheiros e enfrentando todo um leque de inimigos - os Cybermen, os Sontarans, o Master, só para citar alguns, mas principalmente os Daleks - com quem os Time Lords tiveram a Guerra do Tempo, que culminou com a extinção aparente das duas facções, apenas com alguns sobreviventes.

Nesta história, The Forgotten, da autoria de Tony Lee e Pia Guerra (com colaboração de diversos outros desenhadores), temos o 10º Doctor amnésico, acompanhado de Martha Jones, encurralado num museu dedicado a si, num local inespecífico no tempo e no espaço.
Tenta recuperar a memória com recurso a objectos pessoais que usou nas primeiras 9 encarnações, que lhe trazem flashbacks e restauram parcialmente a memória.
Mas alguém que controla o museu quer que ele regenere uma vez mais, e não que recupere as suas memórias e habilidades.
Nesta história, nada é o que parece à primeira vista... O inimigo, que parece ser familiar - demais; Martha, com comportamentos e informações que não devia ter; o próprio desaparecimento misterioso do TARDIS.

Esta é, à semelhança do que tenho feito noutros posts, uma revisão de uma obra mais dirigida a quem aprecia o material de origem, como acontece comigo. Sendo esse o caso, a mini-série, entretém e diverte por um bocado, tendo ainda alguns insights sobre a Guerra do Tempo (para aqueles a quem escapou alguma coisa ao ver a série de TV); e se o vosso Doctor favorito for o 10º (que até à data foi o que mais gostei), vale a pena espreitar esta história...


Capa do TPB, com ilustração de Ben Templesmith

domingo, 25 de novembro de 2012

Marte Ataca!

Em 1996, Tim Burton lançou Mars Attacks!, filme baseado na homónima série de trading cards de 1962, retratando a invasão e quase aniquilação da humanidade por uma frota invasora marciana.

Burton apresenta, de forma humorística e na linha dos filmes de série B de invasões espaciais, com banda sonora à medida elaborada por Danny Elfman, uma pitoresca guerra dos mundos.


O filme inicia-se com a partida dos discos voadores (discos prateados clássicos, para não destoar) em direcção à Terra, partida essa que não passa despercebida aos humanos.
Estes preparam uma recepção à altura, a contar com um intercâmbio pacífico entre os povos, mas preparados (ou assim julgavam) para outras eventualidades.
Após um 1º contacto desastroso com muito humano pulverizado pelos marcianos, são pedidas tréguas e novas negociações, que terminam em... bem, em mais massacre de mais terrestres, talvez demasiado ingénuos para o seu próprio bem (à primeira quem quer cai, à segunda...).
Finalmente os humanos tentam ripostar, mas nem tudo corre bem. Até descobrirem acidentalmente uma arma secreta que aniquila os marcianos.


Este filme é considerado por muita gente uma patetice. E não deixam de ter razão. É um filme pateta, mas temos que nos lembrar que é um filme a homenagear o espírito série B dos anos 50-60. É baseado numa colecção de trading cards com uma invasão espacial com discos voadores, marcianos com cérebro hipertrófico e cara de caveira, pistolas de raios e insectos gigantes (estes últimos, infelizmente, não aparecem no filme). O filme é uma caricatura e uma homenagem a esse espírito.
Temos um rol de actores de renome - Jack Nicholson, Glenn Close, Pierce Brosnan, Danny DeVito, Michael J. Fox, Sarah Jessica Parker, Annete Bening, para além dos então pouco conhecidos Natalie Portman e Jack Black, entre outros -, todos eles em papéis caricaturais (Jack Nicholson faz um papelão não só como presidente dos EUA como também como empresário cowboy em Las Vegas) bem dentro do tom do filme. E temos Tom Jones a fazer de si próprio. Para mim, essa é a parte mais estranha do filme.

Citações dos marcianos:

Comandante marciano: "Ack! Ack! Ack-ack aaack!"
Embaixador marciano: "Ack, ack! Ack-ack-ack! Ack!"
Soldado marciano: "Ack! Ack!"

(sim, os marcianos só conseguiam emitir um único som - ack - talvez por terem cara de caveira).

Um filme para nos divertirmos um pouco... e sem levar demasiado a sério.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Curse of The Worgen

Esta mini-série é um tie-in do MMORPG World of Warcraft, baseado na sua penúltima expansão, Cataclysm, a qual introduziu como raças jogáveis os Worgen e os Goblins.

Da autoria de Micky Neilson e Ludo Lullabi, que já nos trouxeram Ashbringer, esta é uma mini-série centrada nos referidos Worgen, uma raça de licantropos que, no jogo, pertence à facção da Aliança.

Explora duas histórias interligadas; a história principal é a de Halford Ramsey, um dos maiores investigadores criminais da nação de Gilneas (trando-se de um personagem lógico e frio emocionalmente, pelo menos no início da história, fazendo lembrar Sherlock Holmes, ou mesmo o Spock de Star Trek) que anda atrás de um assassino em série, o "starlight slasher", que deixa as suas vítimas mutiladas, e acaba por descobrir uma trama relacionada com um "Culto dos Lobos" dos Worgen e com os Forsaken, trama essa que pode levar à destruição do reino; pelo caminho é convertido em Worgen mas aprende a dominar a sua natureza bestial; a história conduz aos eventos experienciados no jogo, na área inicial dos personagens Worgen, e contém alguns dos personagens aí vistos, como o Rei Greymane, o Príncipe Liam e o Lorde Godfrey.

A história secundária, contada em flashbacks, revela a origem dos Worgen enquanto resultado de experiências dos druidas Night Elf para derrotar a Burning Legion 10000 anos antes, druidas que assumiam uma forma cuja selvajaria não conseguiam controlar, acabando por ser banidos para o Sonho Esmeralda, onde permaneceram antes de serem libertados pelo feiticeiro Arugal a pedido do rei Genn Greymane, numa tentativa de derrotar os Forsaken, com resultados desastrosos para Gilneas.

A história complementa o lore do jogo; a arte é bastante dinâmica, com um tom escuro suficiente (afinal Gilneas é uma nação que faz lembrar os burgos dos filmes de monstros da Universal Studios nos anos 30 e 40...).
Uma leitura interessante, mas essencialmente direccionada para os fãs de Warcraft.

Diablo



Anos antes de a Blizzard lançar o gigantesco World of Warcraft, já se aventurara pelos territórios dos Role Playing Games com Diablo, uma combinação de RPG com jogo de acção.

Este título de fantasia negra, lançado no fim de 1996, o primeiro de uma série que passou a contar este ano com o 3º jogo, é bastante simples, embora extremamente aditivo.

Encarnando um de três heróis (cada um com características próprias), temos de explorar um sistema de subterrâneos com 16 níveis enfrentando monstros de vários tipos (desde zombies a demónios de várias formas e feitios), incluindo os ocasionais bosses, descobrir tesouros, armas, armadura, poções, enfim, toda a parafernália habitual em RPGs, para além de acumular experiência e aumentar os níveis aos personagens. Tudo com vista a derrotar o inimigo titular do jogo, Diablo.
O jogo era sempre criado de forma aleatória (excepto no ponto de partida, a aldeia de Tristram, que serve de santuário para reparos, compras, vendas, etc), incluindo a disponibilidade das várias side quests. Deste modo, nunca se jogava duas vezes um jogo igual, à semelhança do que sucedia com outros jogos antigos, Rogue e rogue-likes, como o Dungeon Hack da SSI, o que aumentava imenso a sua longevidade.

Outro aspecto que aumentava a longevidade era a possibilidade de escolha de três personagens com estilos de jogo completamente diferentes.

- O Warrior especializa-se em combate corpo-a-corpo, é o mais forte e resistente. Tem como habilidade especial reparar o equipamento (embora o mesmo perca durabilidade)
- A Rogue especializa-se em combate à distância, sendo mais ágil. A sua habilidade especial é desactivar armadilhas.
- O Wizard especializa-se no uso de magia; é o mais fraco fisicamente, mas bastante poderoso. A sua habilidade é recarregar os bastões mágicos.

Os personagens podiam ser reutilizados após terminar o jogo. Alternativamente, e se não estivéssemos a ter uma progressão satisfatória, podíamos iniciar um jogo novo com um personagem já usado, de modo a acumularmos algum dinheiro e equipamento que permitisse "desencravar" mais à frente.

Aos personagens, inicialmente genéricos, foram retroactivamente atribuídas histórias e nomes e podiam ser reencontrados nas sequelas.

A história do jogo era relativamente simples. Após retornarmos a Tristram depois de algum tempo ausentes, o nosso herói de eleição (para efeitos canónicos, o herói da história oficial era o guerreiro, cuja identidade não vou revelar neste post), descobre que algo está muito mal. O Arcebispo Lazarus conduziu uma expedição às profundezas da Catedral para enfrentar algo de maligno, que destruiu também o Rei Leoric, que agora é um esqueleto morto-vivo e serve as forças do mal.
Ao longo das nossas explorações, vamos encontrando livros espalhados que nos permitem reconstituir um pouco a história (e ajuda falarmos com os personagens na aldeia); o filho do Rei foi sacrificado por alguém que queria libertar Diablo, um dos demónios reinantes do inferno, e usado como hospedeiro para o mesmo. Ao chegar ao fim, descobrimos que o traidor era o próprio Lazarus e temos que derrotar Diablo. Ao fazê-lo, a soulstone que contém a sua essência solta-se do príncipe hospedeiro, e alguém tem que a colocar em si próprio para tentar conter o monstro. Adivinhem quem vai ser o felizardo...

Como disse atrás, o jogo era sempre diferente. Dividido em quatro secções (masmorras, catacumbas, cavernas e Inferno) com quatro níveis cada, os mapas eram gerados aleatoriamente, sendo colocados de forma semelhante os inimigos, as missões, os tesouros e por aí fora. O ambiente ia ficando cada vez mais caótico e os monstros mais poderosos; o aspecto gráfico do jogo era adequadamente sombrio e a música, perfeitamente no mesmo tom (mesmo a música ambiente nas visitas às "boxes" - a aldeia - era bastante melancólica).

O jogo foi um sucesso; algum tempo depois foi lançada uma expansão, Hellfire, desenvolvida pela Sierra (com uma história independente e um personagem novo, o Monk) e em 2000 foi lançado Diablo II, rapidamente seguido da sua própria expansão, Lord of Destruction. Este ano vimos surgir Diablo III. Pelo caminho, foram lançados álbuns de BD, livros, figuras de acção e outros artigos complementando as histórias e alargando o universo do jogo. Um jogo extremamente viciante, diga-se de passagem...

Citações famosas:

"I sense a soul in search of answers" - Adria the Witch

"Hello, my friend. Stay awhile, and listen" - Cain the Elder

"The warmth of life has entered my tomb. Prepare yourself, mortal, to serve my master for eternity!" - King Leoric

"Hmm! Fresh meat!" - The Butcher

"Plee-ee-eease, no hurt! No kill!" - Gharbad the Weak

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Death Race 2000

Este filme, lançado em 1975, é uma peça de ficção distópica cuja influência se continua a notar décadas mais tarde.

Passado num então remoto ano 2000, numa América do Norte desmembrada e governada por um presidente totalitário, retrata os eventos passados em torno da Corrida da Morte Transcontinental desse ano.

Essa prova, um evento televisionado em directo e um entretenimento super popular para as massas, consiste numa corrida a atravessar os antigos Estados Unidos, em que os critérios para a vitória são não só a velocidade, como também quem consegue eliminar mais concorrentes... e pedestres. Os pedestres valem pontos, incluindo os próprios elementos das equipas de corrida (como descobrem uns infelizes assistentes logo na partida). Os corredores seguem determinados temas e têm carros a condizer.

Soa familiar? O famoso e polémico jogo Carmageddon, de 1997, foi buscar inspiração directamente a este filme. Embora, admitamos, o jogo não tivesse grande história, só massacre pedonal e automobilístico - já que, convenhamos, pouca gente queria ganhar as corridas correndo quando se podia divertir a atropelar peões ou a espatifar os carros (temáticos) dos outros corredores... Mas esse é assunto para outro dia.

Voltando ao filme, temos então os concorrentes...

Frankenstein (interpretado por David Carradine) - o actual campeão. Supostamente mutilado por múltiplos acidentes, consta que é meio homem, meio máquina. Enverga um fato negro com máscara para esconder as suas próteses e o seu rosto mutilado. O seu carro assemelha-se a um réptil, fazendo lembrar um dragão ou um crocodilo.

Machine Gun Joe Viterbo (interpretado por Sylvester Stallone) - o principal rival de Frankenstein, saturado de ficar sempre em segundo lugar. Veste-se como um gangster e tem um veículo armado com metralhadoras a conduzir.

Matilda the Hun - uma concorrente de temática Nazi, o seu carro assemelha-se a uma bomba voadora V1.

Nero the Hero - concorrente inspirado no império Romano, mais concretamente no imperador Nero; em conformidade, o carro assemelha-se a um leão dourado.

Calamity Jane - uma cowgirl conduzindo um carro semelhante a um touro.

Ao longo da corrida vamos tendo combates, um plano da Resistência para matar o Presidente-Ditador usando a corrida como fundo para o atentado e bastantes inocentes atropelados. Tudo temperado com um humor retorcido e muito negro, sobretudo no que respeita ao tratamento dado pelos media a este desporto sangrento e ao entusiasmo das massas pelo mesmo.

O filme foi bastante mal recebido na época e muito criticado pela sua violência gratuita, tendo-se tornado, contudo, um filme de culto ao longo dos anos.
O seu legado inclui a série de videojogos Carmageddon (e outros videojogos similares), uma mini-série de BD (Death Race 2020) e um remake em 2008 entitulado simplesmente "Death Race". Esta versão é muito mais ligeira, passa-se numa prisão em que os presos são postos a correr uns contra os outros com transmissão (paga) via internet e centra-se mais no género vehicular combat. Curiosamente, o remake teve um "clone" de série Z, "Death Racers", que não obstante ser um filme fraquíssimo (chega a ser cómico de tão mau), se aproxima mais, em termos de estilo e concorrentes temáticos, da versão original do que o "Death Race" o faz. Apesar de os carros nem correrem (sim, de Racers só têm o nome, já que andam sempre em marcha lenta)...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Trilogia do Elfo Negro

Quando, em 1988, R.A. Salvatore iniciou a trilogia Icewind Dale, criou um personagem que se viria a tornar extremamente popular: Drizzt Do'Urden.

Drizzt é um drow que se revoltou contra a sua raça. Os drow são uma raça de elfos negros malignos que vivem no reino de subterrâneo de Underdark. A sua sociedade matriarcal, organizada em clãs, ou famílias, venera a deusa-aranha Lolth e rege-se pela traição e crueldade, para cair nas graças e obter os favores de Lolth, que permitem aos clãs obter mais poder e ascender na hieraquia social. A ascenção é obtida eliminando outras famílias superiores sem deixar rasto.
Introduzido no universo Forgotten Realms na referida trilogia, Drizzt teve direito a ter as suas origens contadas sob a forma de uma trilogia escrita por Salvatore em 1990-91, a Dark Elf Trilogy.


Capa do 1º volume na colecção Bang!

No primeiro volume, Pátria, acompanhamos o nascimento de Drizzt na cidade drow de Menzoberranzan, em simultâneo com um ataque da casa Do'Urden à casa De Vir, aniquilando a última; o seu crescimento e treino à mão de familiares (como o mestre de armas Zaknafein, que mais tarde descobre ser o seu pai); as suas primeiras missões e a sua crescente revolta com a sociedade drow e os seus costumes cruéis e jogos políticos; a sua crescente ligação à pantera astral Guenhwyvar e, finalmente, o abandonar da cidade e do seu clã, apenas para conseguir que a sua família, liderada pela matrona Malice Do'Urden inicie buscas para o recapturar.


Capa do 2º volume na colecção Bang!

No segundo volume, Exílio, temos já Drizzt a viver apenas com a sua pantera nas cavernas labirínticas do Underdark, acabando por se juntar a uma comunidade de gnomos negros, os svirfneblin. Entretanto, a sua mãe, para tentar recuperar os favores de Lolth, reanima Zaknafein, o seu pai morto, o qual, convertido em espírito-espectro, se lança em perseguição de Drizzt. Este decide abandonar a comunidade svirfneblin para protecção da mesma, indo apenas acompanhado de Belwar Dissengulp, um dos gnomos que em tempos salvara e de quem se tornara amigo. Após diversos encontros pouco amistosos com outros habitantes do Underdark, entre os quais a comunidade ilithid local, acaba por enfrentar o pai em duelo; este, ao recuperar o controlo sobre si mesmo, sacrifica-se para salvar Drizzt, levando, em Menzobarranzan, à desgraça e à destruição da casa Do'Urden.


Capa do 3º volume na colecção Bang!


No terceiro volume, Refúgio, Drizzt passa a viver à superfície. Gradualmente perde alguns dos poderes inatos dos drow, como a levitação, assim como vê o seu equipamento a deteriorar-se. Inicialmente rejeitado pelos habitantes da superfície, e após ser erradamente acusado da morte de uma família de camponeses, acaba por se tornar amigo do ranger Montolio, descobrindo a sua vocação e tornando-se ele próprio um ranger. Depois de ajudar Montolio a derrotar um ataque conjunto de worgs e orcs, e após a morte do ranger mais velho, parte à procura de um novo lar; acaba por ser aceite em Icewind Dale, onde se estabelece.

Tendo sido objecto de várias publicações a nível internacional, escrita num ritmo rápido sem deixar de dar a conhecer melhor o protagonista, a trilogia foi publicada em Portugal entre 2010 e 2011 pela Saída de Emergência, na Colecção Bang!
Uma boa leitura para apreciadores de fantasia em geral, e particularmente interessante para fãs de Dungeons and Dragons e deste personagem.

Dark Forces



A capa do jogo


Star Wars encontra Doom.

Esta é era a primeira impressão que se tinha ao jogar Dark Forces, da Lucasarts. Este first person shooter, decorrido no universo criado por George Lucas, tinha muito da jogabilidade de Doom, com algumas diferenças e várias melhorias.
Era um jogo com mais algum desenvolvimento que o Doom - já permitia passar por cima e por baixo da mesma plataforma (os níveis tinham vários pisos), olhar e apontar para cima e para baixo, saltar e agachar-se. Ok, era um jogo com mais altos e baixos, dito desta maneira.
Continuávamos a ter essencialmente sprites 2D em cenários 3D (embora já houvesse objectos decorativos 3D à mistura, tal como a nave do protagonista). O seu maior defeito era, contudo, não haver hipótese de gravar a meio de uma missão (ou seja, um nível).

O jogo era composto por 14 missões interligadas, com texto explicativo da missão seguinte entre cada duas e, em vários níveis, uma cutscene animada. Criava-se um perfil de jogador que registava que missões tínhamos já cumprido. Depois de terminarmos uma missão no nosso perfil, podíamos voltar a jogá-la as vezes que nos apetecesse.


Um oficial e um guarda Imperiais, prestes a receber
uns buracos fumegantes...

Ao contrário de Doom (e dos outros FPS em voga), a história era um elemento importante. Após uma missão introdutória em que nos infiltrávamos num posto imperial para roubar os planos da Estrela da Morte, era introduzido o General Rom Mohc, um comandante imperial que, sendo particularmente adepto de um estilo de combate mais pessoal, em detrimento das superarmas imperiais, tais como a citada Estrela da Morte, desenvolvera, sob a supervisão de Darth Vader, os Dark Troopers, tropas robotizadas para combate nas superfícies. Construídos num cruzador-fábrica, o Arc Hammer, eram lançados de órbita contra alvos terrestres, semeando a destruição nos locais onde aterravam.



Kyle Katarn, o herói do jogo. Na época em que ainda era
um mercenário com ar de poucos amigos.


A história do jogo era, assim, uma sequência de missões com vista a obter informação sobre esta nova ameaça, desde uma investigação a uma base destruída pelos novos e ameaçadores robots até à infiltração e destruição do Arc Hammer, após um combate com o próprio Mohc.
Pelo caminho, interagíamos com Mon Mothma, uma das líderes da Aliança Rebelde, éramos capturados por Jabba the Hutt, infiltrávamo-nos numa prisão Imperial para soltar um general rebelde, entre outras aventuras.


Rom Moch, o vilão do jogo. Embora Vader também desse
um ar da sua graça. Mas sem roubar as cenas.

Em termos de armas, tínhamos um leque bastante decente de 10 armas diferentes, desde os punhos até um canhão de ombro, passando pelos blasters e thermal detonators clássicos dos filmes. Não havia, para desgosto de muita gente, sabres de luz (esses viriam mais tarde, no Dark Forces 2: Jedi Knight). Mas a maioria das armas tinha 2 modos de disparo, o que na altura era uma novidade bem vinda (embora em algumas delas o modo alternativo fosse disparar mais rápido).
Também havia outra novidade engraçada - escudo de forças pessoal. Os danos sofridos eram inicialmente absorvidos, até um limite, por um escudo e só depois era atingido o nosso herói.

Outra novidade bem vinda, derivada da proeminência da história, foi a inclusão de objectivos de missão - já não tínhamos apenas de andar a correr de um lado para o outro a disparar contra tudo e à procura da chave que permitia aceder a outra parte do nível (também havia disso), mas também à procura de outros objectos, de soltar algum prisioneiro, de eliminar um determinado inimigo ou de colocar bombas em pontos-chave de uma instalação. Nada de transcendente, mas já introduzia alguma variedade.

A música, em formato MIDI, era baseada nos scores de John Williams, e usavam o sistema iMuse da Lucasarts - a música alterava-se de acordo com o que se estava a passar no momento, de modo a corresponder à acção.


Dois stormtroopers. Ao contrário do que se passava nos filmes,
aqui eles tinham pontaria. Ouch!

Os inimigos eram quase todos saídos do universo dos filmes existentes à data - tropas imperiais (guardas, oficiais e stormtroopers), sondas imperiais, dianogas (os monstros tentaculares do lixo), caçadores de prémios (incluindo Boba Fett, um dos bosses do jogo) e contrabandistas. A estes juntavam-se o inimigo principal, Rom Mohc e os seus dark troopers.



Um Dark Trooper de fase 1. Parecia um cruzamento entre o Gladiador
e o Exterminador Implacável.

Um Dark Trooper de fase 2. Este sim, parecia um soldado imperial.
Armado até aos dentes e completo com um jetpack.

Este jogo permitiu-nos, então, pela primeira vez, experimentar o combate em formato FPS no universo Star Wars.
Sem ser uma adaptação de nenhum dos filmes, introduziu personagens e conceitos que depois foram anexados ao expanded universe - Kyle Katarn, o herói, inicialmente mercenário e mais tarde Jedi, a sua companheira Jan Ors e os famigerados Dark Troopers.
A sua sequela, Jedi Knight, era já em 3D total; mas atendendo às limitações iniciais desse formato, ainda hoje considero que este era mais agradável à vista...

domingo, 18 de novembro de 2012

Creepy Presents Richard Corben

No âmbito da republicação do material das revistas Creepy e Eerie em formato de arquivo pela Dark Horse, surge-nos esta compilação do material ilustrado por Richard Corben nessas revistas.

Corben é um ilustrador activo desde os anos 60, tendo participado em múltiplas publicações, entre as quais as revistas Creepy, Eerie e Vampirella para a Warren Publications, para a revista Heavy Metal, para citar alguns exemplos, tendo mais tarde iniciado a sua própria editora, Fantagor Press; em anos mais recentes colaborou com a Marvel Comics (por exemplo, na mini-série Banner, publicada em Portugal pela Devir), com a DC Comics, ilustrando alguns números de Hellblazer e com a Dark Horse, ilustrando histórias de Mike Mignola na série Hellboy.

Neste volume temos reunidas, então, as histórias desenhadas por Corben (e num ou noutro caso, escritas por ele) para as revistas Creepy e Eerie, bem como todas as capas dessas duas revistas que foram da sua autoria.

As histórias, da autoria de múltiplos autores (incluindo adaptações de histórias de Edgar Allan Poe), são escritas dentro do género de horror, ficção científica e fantasia, com alguma componente humorística (de humor negro, convenhamos), sendo que a arte de Corben assenta-lhes como uma luva. Algumas são superiores a outras, naturalmente, mas no cômputo geral são uma colecção interessante.

Obviamente, numa colectânea centrada no ilustrador, a estrela é a arte.
O traço característico de Corben, o aspecto caricatural dos personagens e as técnicas de sombra e cor utilizadas tornam-se o complemento perfeito das narrativas (na minha opinião, em alguns dos casos, sendo mais valiosas as ilustrações do que a própria história), por vezes misturando, com grande efeito, técnicas diferentes, como no conto "The Oval Portrait".
Os personagens conseguem ser, apesar do seu aspecto um pouco de cartoon (ou talvez até por causa disso), bastante expressivos, aspecto particularmente patente no lobisomem com problemas de negócios no conto "Wizard Wagstaff".
São apenas exemplos da mestria de Corben, que está patente em todo o volume.

Seja-se fã de histórias retro, de terror, ficção científica ou apenas de arte interessante e diferente no âmbito da BD, este volume de mais de 300 páginas tem bastante com que entreter o leitor durante um bocado de tempo.

Contos dos Subúrbios

Contos dos Subúrbios, de Shaun Tan, é um livro tão leve quanto encantador.

O autor presenteia-nos com 15 histórias curtas de fantasia, todas elas por si ilustradas (sendo as próprias ilustrações um meio narrativo em algumas delas).


São histórias passadas em meio urbano (ou talvez, mais correctamente, sub-urbano), em que o autor insere os elementos fantásticos de modo quase inconspícuo - os personagens, ao deparam-se com eles, não só não os estranham como muitas vezes nos revelam que fazem parte do seu quotidiano.

Temos um búfalo que dá conselhos a partir de um lote para construção desocupado, um mergulhador japonês perdido que retorna no seu escafandro, dois irmãos que vão explorar o limite do mapa da cidade,  entre outras peças recheadas de imaginação e originalidade, que nos mostram que fantasia, para ser boa, não tem de ser obrigatoriamente complicada.



É um livro adequado a leitores de qualquer idade, não obstante a sua aparência de livro infantil. Leitores de qualquer faixa etária encontrarão nele algo de mágico para descobrir, ou para relembrar.

Tem um defeito importante, a meu ver. Termina rapidamente demais.

sábado, 17 de novembro de 2012

All-Star Superman

Beleza. Com esta única palavra pode-se definir o All-Star Superman.
Esta mini-série consegue captar a essência das várias décadas de aventuras do Super-Homem de uma maneira ímpar.

Passada fora de qualquer continuidade previamente estabelecida (era esse o princípio regulador das publicações All-Star), apresenta-nos uma narrativa impecavelmente construída por Grant Morrison e ilustrada de uma forma leve e clara por Frank Quitely (uma dupla que, a meu ver trabalha na perfeição). O trabalho de produção final de desenho e cor é feita de modo perfeito por Jamie Grant.


Capa do 1º volume HC

O resultado é uma pequena série de aventuras com aspecto intemporal e que conjugam vários elementos clássicos deste super-herói: a fortaleza da solidão, as kriptonites, Lois Lane e Jimmy Olsen, encontros com outros kriptonianos e com alguns dos seus vilões de sempre - Bizarro, o Parasita, Doomsday e, claro, Lex Luthor.

Todos eles são apresentados de forma diferente da habitual, embora sem perderem as suas características que fazem deles quem são. A história (que não vou revelar, mas que envolve um plano - talvez bem sucedido - de Luthor para destruir finalmente o Homem de Aço, entre outras aventuras), sendo a única nesta continuidade, é apresentada como se já estivéssemos familiarizados desde sempre com os seus elementos, mas de uma forma que não nos faz sentir perdidos.


Capa do 2º volume HC

Esta série, aliás, faz parte do projecto All-Star da DC, que apenas viu dois títulos publicados. A ideia base desse projecto era criar aventuras novas em continuidades independentes, de modo a não "atar" os criadores e a permitir criar histórias de modo livre, mas mantendo a "essência" dos personagens.

Os títulos em questão são este e o All-Star Batman and Robin. Este título venceu claramente essa aposta. O do Batman... Bem, é melhor falar dele noutra ocasião. Foi uma coisa muito estranha...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Último Anel

O Último Anel, de Kiril Yeskov, é um romance de fantasia baseado na Terra Média de J.R.R. Tolkien (mais concretamente, n'O Senhor dos Anéis), mas com uma reviravolta que o faz parecer mais um livro de história alternativa: praticamente tudo o que sabemos sobre a história contada por Tolkien é mentira.

A começar pela Guerra do Anel. O Um Anel nunca existiu. Foi uma história usada como pretexto para atacar e erradicar a nação de Mordor. Tudo porque era uma nação mais avançada que as outras, à beira de uma revolução industrial, e como tal, temida, principalmente pelo invasores Elfos. Daí, Gandalf arquitecta uma guerra contra Mordor, e nada melhor que desumanizar os seus habitantes. Os Orcs não eram monstros, mas passaram a ser descritos como tal para justificar as atrocidades cometidas contra eles. Os Nazgûl eram um conselho de sábios que protegiam o reino, Sauron não era um senhor das trevas, mas antes um título usado por vários reis de Mordor. Saruman só foi um vilão porque ousou opôr-se ao plano de Gandalf. Aragorn não passava de um oportunista que usurpou o trono de Gondor. E por aí fora...



O livro é interessante não só por todos estes detalhes, que nos fazem pensar que, dado que a história é escrita pelos vencedores, será que realmente se passou como nós a conhecemos (ou ter-se-á passado de outro modo? O que diriam os derrotados?), como pela própria trama: a história (que não vou contar, já estraguei demasiadas surpresas) começa após a derrota de Mordor, pelo que o livro serve como uma espécie de sequela, e a maior parte dos detalhes que apontei atrás são revelados através de menções ou flashbacks. A narrativa lê-se fluidamente e está cheia de intriga e jogos políticos, reconhecendo-se imediatamente os personagens (os nomes aparecem ligeiramente alterados, o que ajuda a criar uma atmosfera de "alternativa") bem como os eventos, e (pelo menos a mim) faz querer mais.

Este romance, publicado em Portugal pela Saída de Emergência na colecção Bang!, foi já lançado em diversos países, mas até à data não teve nenhuma publicação comercial em inglês (tanto quanto sei, por não autorização por parte dos herdeiros de Tolkien), embora tenha sido lançada na internet uma versão em e-book, gratuita, com as bençãos do próprio Yeskov.

Um livro óptimo como alternativa e complemento ao material de origem.

Wolfenstein 3D

Wolfenstein 3D, ou apenas "Wolf 3D" para os amigos (era assim que lhe chamávamos há 20 anos), foi o primeiro first person shooter (FPS) que joguei. E que estreia!

Embora já antes deste jogo tivessem sido criados jogos de acção na perspectiva de 1ª pessoa (sem contar com simuladores de veículos), ou decorriam por turnos ("saltando" de unidade de terreno em unidade de terreno, como alguns RPGs) ou os controlos eram pouco práticos (ou lentos).



O ecrã de abertura do jogo

Wolfenstein 3D foi o primeiro em que nos movíamos de forma fluida e com controlos simples e que respondiam na perfeição. Sendo um jogo pouco exigente para a altura em que foi lançado (1992), pois já conseguia ser jogado num computador 286 (para a malta que ainda não era nascida nesse ano, saibam que esses computadores eram fraquitos, nesse ano reinavam os 486), era um jogo em que se saltava directamente para a acção, e num computador mais potente os movimentos eram bastante rápidos. O suficiente para algumas pessoas ficarem nauseadas (estimava-se que havia uma percentagem significativa - uns 10%, se bem me lembro - de jogadores que não conseguiam tolerar os movimentos desses primeiros FPS).


Um soldado básico...

...e algum tesouro e munições

Pelos padrões de agora, o jogo está totalmente obsoleto. Os personagens e os elementos de cenário eram a 2D (embora os inimigos tivessem múltiplos sprites que mudavam conforme o ângulo para dar a ilusão de 3D). Os níveis eram construídos com base em blocos cúbicos com texturas aplicadas, o chão e o tecto nem sequer tinham textura. Os sons digitalizados, bem, basta dizer que mesmo quem fala alemão não consegue perceber as exclamações dos soldados... As músicas eram em MIDI, mas eram boas - muitas delas ficavam no ouvido. O leque de armas era diminuto - uma faca, uma pistola, uma metralhadora e uma minigun. Os inimigos, pouco variados e quase sem IA de que se possa falar. E toda a acção consistia, basicamente, em percorrer o nível à procura das chaves que abriam as portas para aceder a outras partes do nível e encontrar a saída, matando tudo o que se mexesse. Enquanto isso, convinha apanhar tesouros (para dar pontos e ganhar vidas extra - sim, o jogo ainda tinha vidas! Mesmo podendo efectuar-se save e load em qualquer momento), munições e comida/estojos de primeiros socorros para repôr a saúde perdida. O último nível de cada episódio continha um boss que era preciso matar para terminar esse episódio. Ah, e havia sempre um nível secreto, acessível através de... sim, adivinharam. Passagens secretas. Activadas usando o comando "abrir" quando nos encostávamos às paredes certas. No final de cada nível (e episódio) éramos brindados com as percentagens de inimigos mortos, tesouro recolhido e passagens secretas encontradas. Um mimo.


Mais um exemplar da raça ariana, mesmo a pedir
para ser moído por uma rajada de metralhadora.

Pelo parágrafo anterior, o jogo parece ridículo. Mas não era. Era 1992 e o jogo era estupidamente divertido. Ao longo de 6 episódios, acompanhávamos as aventuras de William "B.J." Blazkowicz, desde a fuga do castelo Wolfenstein até ao seu showdown com o próprio Hitler. Sim, podíamos matar o Hitler num dos episódios - e ver a repetição em câmara lenta na "DeathCam (TM)". E, fiel ao espírito "Nazis com armas secretas fantásticas", noutro episódio tínhamos soldados mutantes mortos-vivos criados por um cientista louco. E mais tarde, a Lança do Destino, mas isso foi na sequela Spear of Destiny, que fica para outro dia...


AAAHH!!! Um zombie-mutante-Nazi!!! Mas que diabos...?

Este jogo, que foi tecnicamente revolucionário no seu lançamento, rapidamente deu origem a muitos "clones" ou "Wolf3D-like", alguns medíocres, outros mais elaborados, como Blake Stone, Corridor 7 e Rise of The Triad (este último nascido de um projecto abandonado de uma sequela do Wolf3D). E também inspirou as gerações seguintes, mais elaboradas, começando por outro produto dos mesmos criadores (id Software): Doom. A partir daí, foi sempre em escalada.

O jogo foi ainda controverso não só pela sua violência explícita (os próprios programadores incluíram um aviso no início do jogo - isto antes de serem implementados os actuais sistemas de classificação etária) como pelo uso de imagética Nazi.
O resultado foram versões e ports em que o sangue era substituído por suor (!) e em que todos os símbolos Nazis e retratos de Hitler eram substituídos por símbolos fictícios semelhantes.



É ele. O próprio Hitler. E vem equipado com uma armadura de combate.


Ainda é possível jogar Wolfenstein? Sim, se tivermos em conta 2 remakes (Return to Castle Wolfenstein e o mais recente Wolfenstein - sem "3D" no título), elaborados anos mais tarde e com o estilos de jogo dos FPS das respectivas eras. Ou jogar o Wolfenstein RPG, um jogo por turnos em primeira pessoa, uma criação mais recente para telemóveis, smartphones, tablets e afins.

Mas se quiserem a experiência original (não que as versões modernas sejam más, mas não são a mesma coisa...), há sempre os emuladores de MS-DOS...

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Calvin & Hobbes

Há uns meses, em conversa on-line com um conhecido meu (estrangeiro) que é apenas 10 anos mais novo do que eu, apercebi-me que ele não fazia a mínima ideia de que se trata a BD Calvin & Hobbes. Aliás, nem tinha ouvido falar nela.



Tendo sido um dos marcos do humor (e não só) da minha adolescência, pareceu-me pura e simplesmente chocante. Mas depois, pensando um pouco melhor no assunto, deixou de me parecer tão espantoso. Afinal, no mundo de hoje, é tudo tão efémero que mesmo uma obra como esta pode cair facilmente no esquecimento.

Assim sendo, vou fazer, aqui, o meu esforço de guerra para o evitar.

O que é, ou quem são, Calvin e Hobbes?

São, basicamente, um miúdo e o seu tigre. Os dois melhores amigos no mundo inteiro e os protagonistas de uma série de comic strips que durou 10 anos, escrita e desenhada pelo cartoonista americano Bill Watterson. Uma série que não só nos traz humor como, de uma maneira simples mas eficaz, filosofia e reflexão sobre a amizade, a infância e a imaginação. Watterson consegue, por vezes, em tiras com 4 quadros, dizer mais sobre o ser humano do que alguns textos completos de filosofia (não é à toa que as tiras eram presença constante em alguns manuais escolares). E há que atentar nos próprios nomes dos protagonistas...

Calvin é um miúdo de seis anos (nunca passa dessa idade ao longo dos anos) com uma imaginação delirante hiperactiva, difícil de controlar e que não se conforma com as convenções sociais. Não que seja um rebelde à toa, nem verdadeiramente mau (tem alguns acessos de "maldadezinha" próprios de alguém da sua idade). Tem dificuldade em enquadrar-se e os seus comportamentos bizarros tendem a afastar os outros miúdos. E a preocupar os graúdos.




E é aí que entra Hobbes. Hobbes é o tigre de peluche que Calvin vê como um tigre real (ou pelo menos, como o conceito de "tigre" antropormofizado que lhe é próprio). É o seu melhor amigo, e a sua parte "pés-na-terra". Um pouco como o Sancho Pança para o D. Quixote de Calvin. É o realista e o pragmático do duo, e serve de contraponto perfeito às excentricidades de Calvin. Se bem que não é avesso a atacar Calvin de surpresa, principalmente quando ele chega a casa da escola. Afinal, ele é um tigre, e como o próprio diz, "Pode-se tirar o tigre da selva mas não se pode tirar a selva do tigre".

Outras duas estrelas da série são os pais de Calvin. Convenientemente anónimos (nem o apelido é dado), têm de ter toneladas de paciência com o filho. Especialmente a mãe, que lida com ele praticamente todo o dia, enquanto o pai trabalha, tendo por vezes que recorrer a psicologia que faria alguns pedagogos roer-se de inveja. O pai, para mim, é um personagem mais interessante, pois tem quase sempre respostas acutilantes para o nosso herói, embora nem sempre aprovadas pela mãe. Como por exemplo, quando Calvin lhe pergunta como é que sabem qual é o peso máximo que uma ponte aguenta, o pai prontamente responde que vão fazendo passar camiões cada vez mais pesados até a ponte cair, registam o peso do último camião, reconstroem a ponte exactamente igual e colocam o sinal. Ou quando Calvin quer saber porque é que a fotografias antigas são a preto e branco, o pai explica que as fotografias eram a cores, o mundo é que não, por isso é que as fotografias ficavam com aquele aspecto. É reconfortante ver que, não obstante todas as peripécias e alguns momentos desesperantes, o amor e a ternura entre os pais e Calvin nunca esmorecem.

O elenco completa-se com outros personagens recorrentes: Suzie Derkins, a miúda marrona da turma de Calvin, vítima frequente de partidas e descrições horripilantes sobre o conteúdo do saco do almoço de Calvin; Rosalyn, a babysitter, com quem batalha ferozmente de todas as vezes que ela fica a tomar conta (motivando bónus compensatórios por parte dos pais); na escola testa a paciência da professora, Miss Wormwood (a qual ele pensa que hiberna num caixão durante as férias escolares) e é perseguido por Moe, um bully que tenta fintar com recurso à agilidade mental (embora muitas vezes sem grandes resultados).

A sua imaginação delirante permite que Watterson crie alguns arcos de história interessantes, alguns deles em torno dos alter egos de Calvin, o Astronauta Spiff, intrépido explorador espacial e combatente galáctico e o Homem Estupendo, o superherói cuja vulnerabilidade são... os ataques da mãe, quando está na hora de se ir deitar.

Claro está que o apogeu da imaginação é mesmo a relação com o tigre, com quem partilha momentos de amizade tocantes, joga Calvinbola (um desporto cujas regras são, para efeitos práticos, criadas na hora) e com quem tem conversas que fazem o leitor pensar um pouco no sentido das coisas que o rodeiam.
Por exemplo, quando Calvin comenta com Hobbes, ao ver árvores destruídas gratuitamente, que a maior prova que existe de que há vida inteligente noutros mundos é facto de que não tentam entrar em contacto connosco.
Ou quando Calvin pergunta ao tigre, se pudesse ver um desejo realizado, qualquer que fosse, o que queria. Hobbes responde "uma sandes de atum". Calvin começa a disparatar acerca de ser um desejo medíocre, e que devia desejar um trilião de dólares ou um continente privado, apenas para a seguir vermos Hobbes a comer a sua sandes na cozinha, perante um Calvin exasperado enquanto comenta satisfeito "Pelo menos o meu desejo tornou-se realidade."


Um jogo de Calvinbola

As tiras, criadas entre 1985 e 1995, foram compiladas em diversos volumes ao longo desse período; alguns dos volumes eram compilações especiais (normalmente com tiras coloridas dos domingos) que repetiam material previamente publicado, habitualmente com algum material inédito criado especificamente para os mesmos.
Em Portugal, as compilações foram publicadas pela Gradiva, em volumes equivalentes aos originais americanos.




segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Frank Miller's Robocop

Quando se iniciou o processo de criar uma sequela para o primeiro Robocop, Frank Miller, na altura um nome já conhecido no meio da banda desenhada, foi incumbido de escrever a história para o novo capítulo. E assim o fez, criando para Robocop 2 um guião com uso de violência sem rodeios e introduzindo alguns elementos novos na saga, como a criação de um novo ciborgue baseado num guarda psicótico, um Robocop à beira do colapso por não parar um minuto para manutenção e uma Anne Lewis francamente mais dinâmica. Mantendo, em algum grau, os problemas da desumanização da primeira história.

Contudo, a história original sofreu modificações radicais a nível da produção, tornando a história quase irreconhecível. A criação do ciborgue "Robocop 2" foi mantida, embora num contexto diferente, assim como alguns elementos originais, e outros elementos (como os Rehabs) foram aproveitados para o guião do 3º filme. As modificações foram suficientes para Frank Miller se recusar a participar em projectos cinematográficos durante alguns anos (embora tenha um cameo no filme como "Frank the chemist").

Anos mais tarde, a Avatar Press lançou uma mini-série em 9 fascículos com a adaptação à BD do guião original, no espírito de "filme perdido"; a adaptação foi levada a cabo por Steven Grant com arte de Juan José Ryp, com capas desenhadas pelo próprio Miller.

A história em si é brutal e não fica atrás do primeiro filme em termos de violência, mas a "estrela" aqui, é, para mim, a arte de Ryp. Perfeitamente adequada à trama, densa e transmitindo uma sensação de peso e opressão, do estilo "não há fuga possível" de uma Detroit em guerra urbana, sem perder o dinamismo da acção rápida da história.
A mini-série foi posteriormente lançada em duas compilações (hardcover e paperback); lendo-a fica-se com a sensação de se ter visto um filme que, infelizmente, nunca foi produzido...

Quer se seja fã do personagem, do 1º filme ou de ficção científica e acção com um bocado de humor negro, esta é uma óptima leitura. Desde que não se fique demasiado impressionado com a violência contida... que para bem ou para mal, é indissociável do Robocop original.

sábado, 10 de novembro de 2012

Iron Sky

Nazis na Lua!

É com isso que começa esta curiosa produção conjunta Finlandesa-Alemã-Australiana. Durante uma aterragem no lado negro da Lua, destinada a promover a reeleição da Presidente dos Estados Unidos (uma sujeita suspeitamente parecida com Sarah Palin) e também a investigar secretamente a existência de depósitos de hélio-3 (um combustível extremamente valioso), os astronautas encontram, de facto os depósitos. Em contentores, numa base Nazi. Um dos astronautas é imediatamente abatido por soldados Nazis e o outro (um modelo negro que fizera a viagem apenas com fins de campanha eleitoral - "A Black Man On The Moon? Yes She Can!", é o slogan) é capturado.
E é levado para a base que um contingente Nazi estabeleceu na Lua em 1945, após fugirem da derrota iminente do 3º Reich. E sim, é verdade, a base tem a forma de uma suástica. O astronauta é levado numa mota com sidecar estilo anos 40 para a base, cujo interior e ocupantes parecem parados no tempo, com tecnologia algo sugestiva do estilo steampunk (ok, talvez World War II-punk). E Volkswagens carocha.

O astronauta descobre que os Nazis se preparam para voltar para a Terra e a governar, encontra uma Nazi boazinha, Renate, que não percebe bem no que está metida e que acredita que as intenções do regime são nobres (ela acorda para a realidade lá para o meio do filme) e é recrutado para ajudar a equipa de reconhecimento a preparar a invasão roubando smartphones na Terra. Isto porque descobrem que os smartphones são o elemento essencial para activar a sua máquina de destruição maciça, o Götterdämmerung (significa "O Crepúsculo dos Deuses", para quem estiver curioso). Pelo caminho, é "albinizado" pelo cientista residente, que tem semelhanças físicas com Albert Einstein que não são, de certeza, coincidência.

O astronauta revolta-se e foge, a Nazi boazinha acaba por descobrir a realidade do que querem fazer e o seu noivo (Adler, o comandante da equipa avançada) envolve-se com a agente publicitária da Presidente, Vivian, que o ajuda a preparar a invasão e a dar o golpe para se tornar o novo Führer.



Entretanto os Nazis lançam o seu ataque e Adler volta à Lua para activar o Götterdämmerung, mas a invasão é derrotada pelas naves das Nações Unidas - aparentemente, todas as nações (menos a Finlândia) tinham naves espaciais de guerra dissimuladas - lideradas pela nave americana, a George W. Bush, comandada por Vivian, despeitada pela rejeição de Adler. Isto antes de os países das NU começarem a lutar entre si pelos depósitos de hélio-3, levando ao fim do mundo...

O filme pode parecer algo disparatado, e nalgumas coisas até o é, mas tem os seus momentos altos. Para além de satirizar as posturas Norte-Americanas em múltiplos aspectos (sendo o meu favorito o momento em que a Presidente dos EUA começa a protestar com os outros líderes por terem concordado em não ter naves de guerra e lhe terem mentido, respondendo-lhe os outros que ela também mentiu, apenas para ela se defender com "É claro, nós somos Americanos, é isso que fazemos"), tem alguns toques humorísticos bem aplicados (para além do uso de Space Nazis, que eu já acho divertido por si só), como o fascínio dos Nazis por smartphones, o facto de a nave de ataque Russa ser a estação espacial Mir ("Paz" em Russo) e a armada Nazi usar dirigíveis espaciais para rebocar meteoros para uma meteorblitzkrieg. Ah, e o Führer lunar deposto por Adler é o actor Udo Kier, sempre adequado a papéis destes.

Um filme divertido para ver numa tarde de Domingo (que foi o que eu fiz).

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Discworld

Por onde começar a falar sobre a série Discworld?

Pelo princípio, talvez. O que é o Discworld?

O Discworld é, como o próprio nome indica, um mundo em forma de disco. Estranho, podem pensar. E é. E como é que um mundo em forma de disco anda no espaço? Como gira em torno do sol?

A resposta à primeira pergunta é: apoiado em quatro elefantes colossais. Os quais, por sua vez, estão pousados na casca de uma tartaruga ainda mais colossal. A qual nada através do vasto cosmos, pois trata-se de uma tartaruga marinha, a grande A'Tuin. Dizemos uma tartaruga, mas a verdade é que nunca se determinou se é uma ela ou um ele. Já tentaram, mas falharam. Só se sabe que a tartaruga nada pelo espaço, levando literalmente um mundo às costas. O que nos leva à outra questão...

Como gira em torno do seu sol? Não o faz. É o sol que gira em torno dele. Tal como a lua. São, então, diminutos, mas como estão muito próximos do disco, a proximidade compensa a falta de tamanho.

Confusos? Talvez. Mas não vale a pena. À primeira vista, tudo isto pode parecer um tanto louco, ou disparatado. Mas não é. É, isso sim, a base para uma série longa de livros escrita pelo britânico Sir Terry Pratchett, passada nesse mundo.

Contando com dezenas de volumes, alguns escritos em colaboração com outros autores (incluindo guias, agendas, selecções de citações, dois dicionários e uma trilogia entrelaçada com divulgação científica), é uma série que continua em expansão até esta data, tendo já sido adaptada a peças de teatro, a banda desenhada, mini-séries de TV, filmes de animação e videojogos.



Temos então um mundo-disco que serve de fundo a todo este material de fantasia. O conceito de um mundo em forma de disco não é novidade, tendo servido de base a um outro livro de Pratchett, Strata. Nesse sim, o mundo encontrava-se suspenso no cosmos. É uma história de ficção científica interessante, também, e provavelmente virei a falar nela, noutra ocasião.

Mas voltando à estrela deste post, o Discworld em questão é a base para uma série de fantasia que começa de um modo mais parodiante - o primeiro volume, The Colour of Magic, é, essencialmente uma história em que Pratchett goza de fininho com montes de convenções de fantasia - e que, volume a volume, se torna mais definida, mais séria (sem no entanto perder o humor fino britânico a que Pratchett nos habitua), abordando assuntos muito reais - guerra, discriminação social e racial, escravatura, o poder da imprensa, entre outros - e que, sem deixar de nos divertir e entreter, nos dá, geralmente, algo em que pensar.



Naturalmente, o elenco de personagens é abundante, e normalmente são recorrentes na série e frequentemente entrecruzam-se. Temos, entre outros:

- Rincewind, o "Feitisseiro" (chamo-lhe assim porque usa um chapéu cónico com a palavra "Wizzard" escrita, para que ninguém o confunda). É o protagonista dos dois primeiros volumes e personagem frequente ao longo da série, seja como protagonista, seja como personagem secundário. Trata-se do mais inepto utilizador de magia no Discworld e diz-se, inclusivamente, que quando ele morrer, o pool de magia vai aumentar. É um poliglota (já que sabe implorar por misericórdia e pedir socorro em diversas línguas). Já percorreu imensos locais e países, normalmente a fugir de alguém, o que lhe valeu, na Unseen University (o local onde os feiticeiros são treinados, ou pelo menos fingem bem), o título de "Egrégio Professor de Geografia Cruel e Invulgar". Tem na sua posse a Luggage, um baú de viagem mágico com múltiplas pernas e um apetite devorador que já salvou o dono em inúmeras ocasiões.

- Death, a Morte (masculino nos originais em inglês). Um dos Quatro Cavaleiros do Apocralipse (o apocalipse apócrifo). Monta um cavalo branco chamado Binky, o qual se recusa a partilhar com os outros cavaleiros quando as suas montadas são roubadas, mesmo correndo o risco de lhes chamarem "O Cavaleiro e os três Pedestres do Apocralipse). Vive numa casa fora do tempo e do espaço, em que tenta reproduzir as condições de vida dos humanos, pelos quais tem um fascínio imenso, embora não os consiga entender. Tem uma neta adoptiva, Susan, que herdou várias das características dele. Death é uma antropomorfização, tem o aspecto clássico de um esqueleto num robe com capuz, brandindo uma foice e falando numa voz sepulcral QUE É REPRESENTADA NA SUA TOTALIDADE EM MAIÚSCULAS, DESTA MANEIRA.

- Avózinha (Granny) Weatherwax - chefe não oficial das bruxas de Lancre, e mais ou menos reconhecida como chefe das bruxas em geral. O que ela própria não aceita. Trata-se de uma mulher sábia, experiente e severa, embora demonstre bondade à sua maneira especial. Normalmente acompanhada de outras bruxas, tais como Nanny Ogg ou Tiffany Aching, muitas vezes trabalha sozinha. E embora seja uma excelente utilizadora de magia, a sua magia principal é o uso de "cabeçologia" - entender como funcionam as cabeças das pessoas e agir de modo a tirar o melhor partido disso. Um exemplo excelente é quando está a treinar uma bruxa nova e roga uma praga a um carpinteiro que a desrespeitou. Quando a aprendiza lhe pergunta se a praga funciona mesmo, ela diz que não, mas que da vez seguinte que o sujeito acertar num dedo quando estiver a martelar um prego, de certeza que se vai lembrar dela...

- Samuel Vimes - comandante da guarda da cidade Ankh-Morpork. Evolui desde um guarda caído em desgraça (e banido para a guarda nocturna junto com outros indesejáveis) até nobre diplomata representante da cidade e o agente da lei mais admirado e respeitado a nível internacional. Normalmente protagoniza os volumes sobre a Guarda Nocturna/Guarda da Cidade. É casado com lady Ramkin, uma criadora de dragões e humanitária. É um personagem que, apesar do seu estatuto ascendente, não renega as suas origens humildes (vem de uma família paupérrima e cresceu na pior parte da cidade), tendo a honestidade e a justiça como os seus valores mais fundamentais, e exigindo o mesmo de todos aqueles sob o seu comando.

- Cohen o Bárbaro - um guerreiro bárbaro que, na sua primeira aparição, conta com uma idade avançada; faz a sua última aparição com mais de 90 anos e uma longa experiência de não deixar que o matem em combate. Lidera a Horda Prateada, um grupo de bárbaros igualmente idosos e mantém-se tão aguerrido como fora em jovem. Excepto pelo facto de que tem que usar ligaduras em torno dos joelhos, para que os estalos que os mesmos dão ao caminhar não alertem os seus inimigos.

- O Bibliotecário - o antigo bibliotecário da Unseen University, transformado num orangotango num acidente mágico durante uma das primeiras aventuras escritas por Pratchett. Os outros feiticeiros prontamente de disponibilizaram para o reverter à forma inicial, mas ele sempre recusou. Aparentemente, o corpo símio é muito mais prático para alcançar livros em locais difíceis. E espancar alguns deles até à submissão, afinal, estamos a falar da biblioteca do quartel-general dos feiticeiros...

- O Patrício - Lorde Havelock Vetinari, Assassino de formação, é o governante tirano de Ankh-Morpork. Mas é um tirano moderno, e nas suas próprias palavras, "Só porque posso fazer tudo o que quero, isso não significa que eu possa fazer tudo o quero". Vetinari é um indivíduo extremamente inteligente e calculista e que sabe que se permitir certas liberdades aos seus súbditos, consegue mantê-los mais governáveis. Também sabe que muitos dos anteriores governantes acabaram mal porque governavam de forma extremamemente cruel, muitos deles por serem loucos. Vetinari não é louco e evita crueldade desnecessária. Excepto contra Mimos, que não suporta. É um governante extremamente eficiente e consegue manter a complicada Ankh-Morpork a funcionar e a prosperar, o que não é um feito pequeno. É um personagem puramente maquiavélico, e como Maquiavel, escreveu um livro sobre as suas reflexões acerca da arte de governar - "O Servidor".

Como imaginam, o elenco é vasto demais para ser abordado aqui (merecia uma série de posts por si só), pelo que apenas escolhi uma amostra com os meus personagens favoritos. Muitos outros estão presentes ao longo da série, como a enérgica Nanny Ogg, o arquichanceler dos feiticeiros Mustrum Ridcully, os minúsculos (mas não menos perigosos) Nac Mac Feegles ou o con artist regenerado Moist von Lipwig, todos eles sendo personagens elaborados e com substância própria.



A própria Ankh-Morpork, a cidade-estado onde decorrem muitas das histórias, é quase uma personagem em si só. Ao longo dos livros a sua história e geografia, inicialmente vagas (de propósito, pois Pratchett não se queria sentir muito constrangido pelos detalhes) vão-se definindo num todo um pouco mais complexo, sempre sem perder a piada. Por exemplo, o rio Ankh, que atravessa a cidade, é tão poluído e espesso que se diz que não corre, arrasta-se, e quando um cadáver aparece a boiar no rio, a Guarda da cidade pode delinear o contorno do corpo a giz. Os habitantes, por outro lado, não concordam que seja um rio poluído. Afinal, toda a urina da cidade vai lá parar, e água que passou por mais de um milhão de pares de rins tem de estar necessariamente super purificada...

Pratchett, cria o seu próprio mundo de fantasia, em que mistura conceitos novos com outros pré-estabelecidos, mas dando-lhes toques novos, muitas vezes para brincar com os "cânones". Assim, temos Anões que são uma raça mineira, cuja hierarquia é baseada na organização da extracção mineira e que gostam de cantar canções sobre ouro. Normalmente as canções são assim: "Ouro! Ouro! Ouro! Ouro!". Os Trolls, sendo uma espécie de vida rochosa à base de silício (em vez de carbono), apenas funcionam
bem em ambientes frios, sendo que em climas temperados ou quentes ficam lentos e aparentam ser idiotas. Temos os Auditores da realidade, com uma paixão pela ordem e organização completamente obsessiva, uma classe de seres extradimensionais que detestam todas as formas de vida devido ao caos inerente a essas formas. Vampiros que formam uma liga para controlarem a sua sede de sangue como se de apenas um vício se tratasse. Um monte de deuses que só conseguem existir se alguém acreditar neles. Elfos que são predadores interdimensionais. E por aí fora.

O autor estabelece muitos locais e personagens equivalentes a entidades reais (e a algumas fictícias famosas), muitas vezes espelhando o nosso mundo, seja de modo parodiante ou não. A liga que mencionei no parágrafo anterior (League of Temperance) funciona como os Alcoólicos Anónimos e outros grupos semelhantes. Cohen o Bárbaro é uma paródia evidente ao Conan e personagens semelhantes. Leonard da Quirm é o equivalente ao Leonardo da Vinci (embora provavelmente mais aéreo). As criaturas das Dimensões das Masmorras têm o seu paralelo nos monstros Lovecraftianos (completos com o Necrotelecomnicon, o livro usado para as contactar). O continente perdido de XXXX (ou "Quatroxis") funciona como a nossa Austrália; Uberwald é o equivalente às terras estereotípicas dos filmes de terror antigos, tipo Transilvânia. A própria Ankh-Morpork é uma espécie de megalópole à moda de Londres ou Nova Iorque (tendo como unidade monetária o Dólar de Ankh-Morpork). Lancre e The Chalk espelham a Inglaterra rural (ou pelo menos, meios rurais reais). E, repetindo-me, por aí fora.



Até agora, com a excepção de dois volumes, li toda a série em inglês. Para quem tem facilidade, aconselho-o, pois Pratchett utiliza muitos jogos de palavras e trocadilhos que creio que se perdem, pelo menos parcialmente, por muito boa que seja a adaptação. Já houve algumas adaptações para português destas obras; conheço, pelo menos, as adaptações de Mort e Wyrd Sisters pela Caminho, na antiga colecção "Ficção Científica", os sete primeiros volumes pela Temas e Debates e o "The Wee Free Men" na Colecção Teen da Saída de Emergência (os dois volumes que li em Português foram as edições da Caminho).

Este post está enorme, e muito mais poderia escrever, como fã que sou desta colecção. O que muito provavelmente irei fazer.
Até lá, e a título de curiosidade, um link para um site que contém múltiplas versões das capas dos diversos livros (e de onde saíram as figuras que acompanham o texto): http://www.lspace.org/about/lspace-now/index.html